25 maio 2011

Estímulo ao transporte individual empurra cidades brasileiras para o colapso


Estudo do Ipea sobre mobilidade urbana alerta para negligência na gestão do transporte público e na política equivocada que aumenta frota de carros e motos

Cecília Ritto, do Rio de Janeiro
Caminhões na Marginal Pinheiros, na altura da Cidade Universitária Caminhões na Marginal Pinheiros, na altura da Cidade Universitária (AE)

As políticas de mobilidade urbana não estão sendo suficientes para conter a degradação do trânsito. Esta é uma das conclusões da pesquisa A mobilidade urbana no Brasil, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada nesta quarta-feira. O trabalho aponta as deficiências do transporte público no país e a persistência do estímulo ao uso de automóveis e motocicletas – na contramão do que fazem no momento os países desenvolvidos.

De acordo com o levantamento, as políticas de estímulo ao uso do transporte individual associadas ao encarecimento da locomoção pública agravam os problemas no trânsito. O resultado desse processo é o que os moradores das cidades brasileiras experimentam no cotidiano: aumento nos congestionamento, mais poluição e acidentes.

A dificuldade no deslocamento reforça ainda, segundo a pesquisa, a exclusão social dos que não têm condições de comprar um veículo e só podem, portanto, se locomover através do transporte público, que fica cada vez mais caro e com a qualidade se deteriorando.

Os dados apresentados pelo Ipea mostram que são exatamente as pessoas de média e baixa renda os usuários do transporte público que acabam pagando os custos dos benefícios tarifários concedidos no país, que chegam a 60%. “Como a gratuidade é uma política de proteção social a segmentos desfavorecidos, o certo é que toda a sociedade arque com esse custo, evitando que o maior ônus recaia sobre os segmentos de menor poder aquisitivo”, adverte a pesquisa.

A saída encontrada pelos passageiros com algum poder aquisitivo é a aquisição de seu próprio veículo. Em 2008, foram vendidos no país cerca de 2,2 milhões de automóveis e 1,9 milhão de motos. A comercialização de motocicleta cresce a uma taxa de 20% ao ano, sustentada, sobretudo, pelos modelos mais populares, pagos através de financiamentos que se aproximam do gasto mensal com passagens. Entre 1996 e 2006, as novas 7,6 milhões de motos estiveram envolvidas em oito mil mortes no trânsito. Em 2007, os motociclistas se envolveram em 22% das mortes desse tipo.

Segundo o levantamento do Ipea, a maior quantidade de automóveis e motos nas ruas está ligada ao aumento do poder de consumo, às deficiências do transporte público e às isenções de impostos e facilidades financeiras para a compra de veículos particulares. A projeção é de que a frota desses dois tipos de veículos dobre até 2025.

O aumento no número de veículos particulares tem impacto direto no tempo gasto para se locomover. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios mostra que, entre 1992 e 2008, o tempo médio para fazer o trajeto entre a casa e o trabalho nas dez principais regiões metropolitanas do Brasil cresceu em 6%. Os que gastam mais de uma hora nesse caminho subiram de 15,7% para cerca de 19%.

De 1977 a 2005, nas grandes regiões metropolitanas, houve uma queda de 68% para 51% do total de viagens motorizadas feitas por transporte público. O uso de automóvel também aumentou de 32% para 49%. Nas cidades com mais de 60 mil habitantes, em 2007, a frota era de 20 milhões de veículos, sendo que os automóveis e veículos comerciais leves correspondiam a 75,2%. Dados da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) mostram que o transporte privado emite 15 vezes mais poluentes locais e quase duas vezes mais CO2 do que o transporte público.
Transporte público de mal a pior – A solução, que seria o transporte público, parece ainda distante. Os sistemas de trem e metrô existem em apenas 13 regiões metropolitanas e respondem a um baixo percentual de viagens. Apenas Rio de Janeiro e São Paulo apresentam um esquema metro-ferroviário com maior participação na locomoção. Outro problema detectado pela pesquisa é a pouca integração dos órgãos ligados aos transportes. Cada um cuida do planejamento de sua competência e acaba por causar níveis de serviços diferenciados, como superposição de linhas, preços desiguais, falta de integração física e tecnológica e tarifária.

A pesquisa conclui que, enquanto houver incentivos do governo federal, seja através de IPI reduzido para a compra de veículos, seja pela facilidade de encontrar estacionamento gratuito nas vias públicas ou por causa do baixo preço do licenciamento e do IPVA, a frota de carros e motos vai continuar a crescer. Se mantidas as tendências atuais, com as pouquíssimas políticas de incentivo ao transporte público, a estimativa é de que o trânsito ficará ainda mais caótico nas regiões metropolitanas. “Isto mostra que o mercado futuro do transporte público não é promissor, a não ser que políticas muito favoráveis a ele – incluindo restrições ao uso do automóvel – sejam implantadas”, diz a pesquisa.

http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/estimulo-ao-transporte-individual-empurra-cidades-brasileiras-para-o-colapso
 

Arquivo INFOTRANSP