Para acelerar o crescimento, algumas grandes empresas brasileiras estão impondo objetivos inalcançáveis a seus executivos. O resultado não pode ser bom
São Paulo - Quando aceitei dirigir uma das unidades de negócios de uma grande empresa brasileira, em janeiro do ano passado, estava animado pelo bônus de até seis salários extras que poderia ganhar se batesse a meta do aumento de vendas da minha área — um dos motivos que me convenceram a topar o desafio.
Não medi esforços e os resultados começaram a aparecer. À medida que os meses passavam, a meta parecia mais e mais próxima de ser batida. Mas no início do segundo semestre veio a surpresa. Como eu, os executivos que estavam próximos dos resultados almejados tiveram suas metas mais que dobradas pela presidência.
Só não alteraram os objetivos das áreas que estavam longe de atingi-los. A sensação foi a de que uma tremenda injustiça estava sendo cometida.
Era como se estivéssemos todos tentando correr num campo de areia movediça. Quanto mais perto chegávamos dos objetivos, mais distante eles ficavam. Ainda assim consegui elevar as vendas da unidade a um patamar quatro vezes maior do que o combinado inicialmente.
Mesmo com esse esforço, em abril deste ano recebi como bônus referente ao desempenho de 2010 pouco mais de um salário. Isso aconteceu porque a empresa considerou a meta definida no segundo semestre para recompensar toda a equipe. Isso é meritocracia?”
O depoimento que você acaba de ler, feito por um alto executivo que pediu anonimato, soa familiar para um número cada vez maior de profissionais.
A despeito da instabilidade internacional, o Brasil vem experimentando uma fase de crescimento contínuo. Para as multinacionais, enquanto os mercados europeu e americano sofrem com a crise, o Brasil se torna uma tábua de salvação. Para boa parte das companhias brasileiras, nunca houve um período tão favorável para ampliar os negócios.
Ajustar as metas de crescimento dos executivos a tanta expectativa, sem exagerar na dose, tem se mostrado mais difícil do que parece. Uma pesquisa feita pela consultoria de recursos humanos Hay Group com 50 companhias brasileiras mostra que 80% dos executivos receberam metas de crescimento maiores neste ano do que em 2010.
Cerca de 80% deles reconhecem que repassaram para seus subordinados metas igualmente difíceis de ser alcançadas e 58% temem estar pressionando demais suas equipes. “O resultado é um desajeitado jogo de ajuste de metas que pode causar mais estragos do que benefícios aos negócios”, afirma Jean Marc Laouchez, diretor do Hay Group.
Regras quebradas
Uma das tentações mais perigosas para quem define as metas é, segundo especialistas, mudar radicalmente as regras do jogo no meio do caminho. É o que ocorreu com o Marfrig, segundo maior frigorífico do país.
Em janeiro de 2010, os principais executivos receberam a missão de aumentar as receitas em 15%.
Ao longo do ano, no entanto, a meta subiu — e, em outubro, chegou a 70% de crescimento. Com vendas de 17 bilhões de reais no ano passado, o Marfrig cresceu 65,5% em relação a 2009.
Embora o resultado tenha sido muitas vezes melhor do que o objetivo traçado inicialmente, os executivos não bateram a meta final. E os bônus prometidos em caso de sucesso não foram pagos. Em janeiro deste ano, o objetivo estipulado foi aumentar as receitas em 30%.
“Aqui dentro a gente já sabe que esse tipo de novidade pode surgir a qualquer momento”, diz um executivo do Marfrig. Procurada, a empresa limitou-se a negar as informações. “Revisões do alvo para o ano só devem ser feitas quando houver mudanças setoriais ou econômicas que dificultem a meta inicial.
Fora isso, mudar as regras do jogo só gera desconfiança e instabilidade”, diz Marcelo Ferrari, diretor de negócios da consultoria de RH Mercer.
Todos os cuidados para definir metas que não fiquem aquém nem além das possibilidades reais da companhia devem ser tomados durante a preparação dos objetivos.
Para especialistas, na hora de definir metas, o ideal é combinar a previsão de crescimento do PIB com a do setor de atuação da companhia. Deve-se levar em conta um cenário positivo, um moderado e um pessimista e se aproximar da coluna do meio para estipular o alvo.
A Vigor, empresa de alimentos industrializados do grupo JBS, é um exemplo dos efeitos de uma projeção otimista demais. Em janeiro deste ano, a Vigor definiu que deveria dobrar o faturamento de 2010, que chegou a cerca de 1,3 bilhão de reais.
Até julho, apenas 30% desse objetivo havia sido cumprido. Resultado: há cerca de um mês, a meta foi reduzida para um crescimento de 70% em relação ao ano anterior (procurados, os executivos da Vigor não deram entrevista).
Mesmo quando as companhias criam metas factíveis, o esforço para alcançá-las pode gerar um ambiente naturalmente mais ácido. “O ideal é balancear métricas que ajudem nos resultados financeiros com outras que premiem posturas éticas e trabalho em equipe”, diz Ferrari.
Neste ano, o grupo Votorantim incluiu na avaliação de desempenho metas qualitativas para 2 800 executivos — num universo de 35 000 funcionários. Até agora todos os indicadores para esses profissionais eram só quantitativos.
“Na área de RH, por exemplo, avaliávamos quantas pessoas eram treinadas. Hoje, a meta é atrelada à qualidade do treinamento”, diz Gilberto Lara, diretor corporativo de desenvolvimento humano e organizacional do grupo Votorantim.
Para chegar ao fim do ano com os resultados previstos é preciso também garantir o acompanhamento quase obsessivo das metas. Essa obsessão norteia diversas rotinas na empresa de logística ALL, com vendas de 3 bilhões de reais em 2010. Hoje, 1 200 de seus 8 000 funcionários têm metas individuais.
Reuniões semanais e até diárias garantem o controle das informações. A mais tradicional delas é a chamada “missa”, que acontece diariamente às 8 da manhã, com executivos das áreas comercial e operacional.
“Assim sabemos como avança cada processo”, diz Melissa Werneck, diretora de gente da ALL. Segundo ela, o acompanhamento também facilita a elaboração das metas futuras — e o risco de errar, se não chega a zero, ao menos diminui.