Vida Urbana - texto Niklas Sieber e Olaf Scholtz-Knobloch*. reportagem e tradução Thiago Guimarães. ilustração cris vector - 25/08/2011
À medida que a aterrissagem se aproxima, saltam aos olhos as proporções dessa gigante de 20 milhões de habitantes chamada Grande São Paulo.
Do avião, vemos as bordas da metrópole, que cresce 3% ao ano, e as muitas favelas. Após o desembarque, o estrangeiro se descobre no meio de uma avalanche de veículos: uma frota de 8 milhões de automóveis que cresce mais depressa que a população, provocando trânsito, poluição, barulho e acidentes. Duas questões intrigam o visitante.
Como os paulistanos conseguem chegar ao trabalho? Como os turistas serão transportados aos jogos da Copa de 2014?
Para responder a essas perguntas, é preciso olhar para o sistema metropolitano de transporte.
E o que o turista vê, desde a chegada, são as longas filas no metrô. Apesar da rede relativamente bem desenvolvida, o metrô ainda não serve ao aeroporto e, na cidade, obriga os passageiros a se espremer com outras nove pessoas por metro quadrado nos horários de pico.
A situação é desafiadora.
Qual transporte público é a solução? Todo planejamento de transportes deve ser feito em integração com um planejamento urbano eficiente.
Numa região que ganha 200 mil novos habitantes por ano, é preciso acomodar os novos moradores de modo a não gerar ainda mais trânsito.
Em São Paulo, isso significa interromper a sangria populacional do Centro e incentivar a criação de postos de trabalho nas localidades periféricas que funcionam como cidades-dormitório. Outra medida positiva é incentivar o adensamento ao longo dos grandes eixos de transporte público, experiência que fez de Curitiba um exemplo de sucesso internacional.
Enquanto o metrô não vem
Simultaneamente às políticas de habitação e desenvolvimento local, é preciso definir em qual meio de transporte investir.
Em São Paulo, o transporte sobre trilhos é o único que consegue, com algum conforto, conduzir 80 mil pessoas por sentido e por hora.
Numa região com volume de tráfego tão alto, a expansão das linhas do metrô e da CPTM é imprescindível para que os problemas não se avolumem ainda mais no futuro. São Paulo, no entanto, não avançará sem investir, com urgência, em novos sistemas de transporte.
Um é o VLT (veículo leve sobre trilhos), modal ferroviário testado e aprovado nos Estados Unidos e na Europa. Outro: os corredores de ônibus comuns em Curitiba, Quito e Cidade do Cabo.
O monotrilho, veículo elétrico que trafega sobre rodas de borracha, também pode ser uma alternativa.
Ele já foi incluído nos planos de expansão do governo de São Paulo – embora dificilmente venha a transportar 50 mil passageiros por hora e por sentido, como alardeado pela administração do estado. Essa meta ambiciosa não foi alcançada, com monotrilho, em nenhum lugar do mundo.
A pergunta, então, passa a ser: como o sistema de transporte de São Paulo deve ser ampliado? É preciso considerar, em primeiro lugar, a relação custo-benefício dos diversos meios.
Na capital paulista, onde enormes contingentes precisam ser transportados diariamente, é impossível descartar o metrô de uma hora para outra. Isso acontece porque nenhum outro modal consegue atender a um número tão grande de pessoas.
O limite de capacidade dos monotrilhos, por exemplo, é de 45 mil passageiros.
Os corredores de ônibus, por sua vez, conseguem transportar no máximo 15 mil pessoas por hora quando feitos com duas faixas.
O que São Paulo não pode é depender exclusivamente do metrô e da CPTM, sistemas que esbarram no alto custo e no longo tempo de construção. Um quilômetro de metrô consome entre US$ 60 milhões e US$ 120 milhões, enquanto o mesmo percurso de monotrilho custa algo entre US$ 40 milhões e US$ 50 milhões.
O mesmo trecho de corredor de ônibus, com duas faixas, pode ser implementado por muito menos: de US$ 5 milhões a US$ 15 milhões.
A Grande São Paulo ganha 200 mil novos moradores por ano.
É preciso acomodá-los sem gerar mais trânsito
Pouco dinheiro e prazo apertado
Nesse cenário, o VLT surge como opção interessante. Quando construído no nível do solo, cada quilômetro custa entre US$ 10 milhões e US$ 25 milhões e sua capacidade de transporte é três vezes superior à de um corredor de ônibus.
Em São Paulo, esses dois sistemas devem estar associados e nortear o atendimento aos eixos secundários de transporte, reservando ao metrô e ao trem a alta demanda dos eixos primários. Em outros termos, a receita é integrar metrô e CPTM a outros meios, como VLT e monotrilho, além de rotas de ônibus, tanto expressas quanto convencionais (estas atenderiam às demandas locais e alimentariam os eixos de maior capacidade).
Dessa forma, bairros precariamente servidos poderão ser atendidos no curto prazo – e a um custo razoável. Se a demanda crescer, é possível aproveitar corredores de ônibus para implementar, nos mesmos locais, eixos de VLT. E, se a demanda continuar crescendo, o VLT dará lugar a uma linha de metrô.
Barato, mesmo, apenas os corredores de ônibus. Mas os limites desse sistema são muito claros. Para transportar mais de 15 mil passageiros por sentido e por hora, são necessárias quatro faixas. Isso exige espaço, coisa rara em megacidades.
E toda desapropriação de imóveis tende a encarecer qualquer projeto. Além disso, em muitos eixos importantes, as áreas livres simplesmente não estão disponíveis. Mesmo que estivessem, corredores com essa largura tendem a provocar cisões em bairros, separando-os em duas metades quase intransponíveis, como um rio.
Foi o que aconteceu em Bogotá, com seu TransMilenio, por mais elogiado que seja esse sistema de transporte do ponto de vista da eficácia. Cidades modernas devem preferir opções que preservem a convivência em espaços urbanos.
O planejamento de transportes também deve atentar às necessidades da população mais pobre. Apenas 17% dos deslocamentos desse segmento são realizados por moto ou automóvel. A maioria depende de transporte coletivo.
Além disso, as classes mais baixas gastam até 40% de sua renda com transporte – entre os mais ricos, essa proporção atinge apenas 10%.
Por isso, aumentos nos preços das passagens têm grande impacto nos domicílios de baixa renda. Isso significa que as tarifas deveriam ser subsidiadas? Nem todas. Melhor seria estabelecer tarifas mais baixas mediante a comprovação de necessidade. Beneficiados do Bolsa Família, por exemplo, pagariam menos.
São Paulo também deveria apostar mais nos meios não motorizados. O primeiro passo nesse sentido é investir mais em segurança no trânsito, em especial a de quem anda a pé. Todas as classes sociais ganhariam com isso.
Hoje, não surpreende que apenas 0,8% dos deslocamentos na região metropolitana sejam feitos de bicicleta. Afinal, ninguém quer se matar… Em algumas cidades da Europa, a participação da bicicleta no total de deslocamentos já chega a 40%.
Pré-condições para isso são uma rede de ciclorrotas e a instalação de bicicletários nas paradas do transporte coletivo. Em muitos países, o tema tem recebido apoio crescente e muitas vezes é identificado como uma mudança de mentalidade. Bicicleta, afinal, é um meio de transporte sustentável, que não gera poluição, não emite gás carbônico, não produz barulho e causa bem menos acidentes.
O que fazer com tanto turista?
Não resta muito tempo até que o juiz apite o início do primeiro jogo da Copa de 2014, provavelmente em um Itaquerão lotado.
Do jeito que as coisas estão, os 68 mil torcedores esperados poderão chegar às imediações do estádio de metrô ou de trem.
Mas, para que a cidade esteja apta a receber o volume de turistas previsto, é essencial complementar os eixos formados por esses meios com alternativas como o VLT e os corredores de ônibus, economicamente atraentes e factíveis em pouco tempo.
Assim, quando o visitante chegar, ele não apenas se surpreenderá com o hipereficiente monotrilho e sua alta capacidade de transporte, mas também com uma moderna rede de transporte coletivo, que combina de forma inteligente os trens da CPTM, o metrô, o VLT e as linhas expressas de ônibus. Ganharão os visitantes e também os paulistanos. Desejamos a todos uma excelente Copa do Mundo!
*Niklas Sieber é economista especializado em transportes e em planejamento urbano. Olaf Scholtz-Knobloch é engenheiro de transportes. Ambos são diretores da TCP International, consultoria em transportes sustentáveis com sede em Stuttgart, Alemanha
http://epocasaopaulo.globo.com/vida-urbana/copa-2014-especialistas-alemaes-dizem-que-so-o-metro-nao-resolve/
Niklas Sieber e Olaf Scholtz-Knobloch afirmam que São Paulo precisará de monotrilho e corredores de ônibus para não passar vergonha