Apesar da quantidade de informações obtidas por meio da rede de vigilância, serviços de segurança e defesa têm limitações
Em sua justificativa para o que potencialmente
representa uma invasão maciça na vida privada de bilhões de usuários da
internet em todo o mundo, o presidente Barack Obama afirmou, na
sexta-feira: "Não se pode ter 100% de privacidade e 100% de segurança".
'Não se pode ter 100% de privacidade e 100% de segurança'
Parece lógico, mas o que especialistas em defesa observam é que os
americanos estão longe de ter "100% de segurança" no que se refere às
ameaças terroristas, em troca da sensação geral de perda de privacidade.
"As falhas de segurança continuam ocorrendo nos EUA não por falta de
quantidade de informações, que eles têm de sobra, mas por falta de
capacidade de analisar essas informações", disse ao Estado João Roberto
Martins Filho, professor de ciência política da Universidade Federal de
São Carlos e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de
Defesa.
Martins lembra que os serviços de inteligência tinham
informações sobre os autores do atentado na Maratona de Boston, no dia
15 de abril, mas isso não impediu que ele ocorresse.
"Havia sinais por todos os lados", concorda Robert Baer, ex-agente da
CIA e autor de três livros sobre terrorismo. "Isso não ajudou. Não sei
se esses dados realmente salvaram vidas, como diz o governo."
Martins
também coloca em dúvida essa alegação e afirma que ela deveria ser
corroborada com detalhes sobre que ação terrorista foi evitada graças
aos dados coletados pelo Prism, um programa da Agência de Segurança
Nacional e do FBI que lhes proporciona acesso irrestrito, e sem
necessidade de justificativa perante a Justiça, a e-mails, conversas,
imagens e arquivos que trafegam nos servidores da Microsoft, Apple,
Facebook, Google, Yahoo, Skype, YouTube, AOL e PalTalk, segundo revelou,
na sexta-feira, reportagem no jornal The Washington Post.
Baer participou da investigação de uma comissão independente da ONU
sobre o assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafic Hariri, em
2005, na qual, segundo ele, foram usados os métodos de rastreamento
eletrônico empregados pelo Prism.
"A investigação usou dados e
identificou todos os assassinos. Foi brilhante", elogiou o especialista,
em entrevista à CNN.
Para ele, o problema do Prism é que ele recolhe de forma
indiscriminada uma quantidade enorme de dados e os mantém arquivados em
um banco de dados, possibilitando o mau uso da informação.
"Se eu tiver o
número do seu celular, tenho o número de seu cartão de crédito, sei
onde você jantou ontem, posso reconstruir sua vida toda", exemplificou.
"É disso que as pessoas têm medo."
"A violação dos direitos de cidadãos do mundo inteiro é uma
realidade", constata Martins.
"Eles têm, de fato, esse poder, e o usam.
Se eu fosse americano, não assinaria esse cheque em branco."
O
desconforto ficou visível em uma nota assinada pelo presidente do
Google, Larry Page:
"Claro que entendemos que o governo dos EUA e de
outros países precisem adotar ações para proteger a segurança de seus
cidadãos - incluindo, às vezes, o monitoramento. Mas o nível de segredo
em torno dos procedimentos legais atuais solapa as liberdades que todos
apreciamos."
Até a publicação da reportagem do Washington Post, a autorização dada
pelo Tribunal de Vigilância e de Inteligência Externa era secreta.
Advogados das nove empresas envolvidas estão proibidos de revelar o
procedimento, segundo a reportagem.
As empresas se defenderam dizendo
que não forneceram informações ilegalmente.
E esses são dois aspectos
perturbadores do programa: ele é sigiloso e legal.
Alexander Keyssar, professor de políticas públicas na Universidade
Harvard, observa que a 4.ª Emenda da Constituição americana obriga as
autoridades a obter mandados judiciais antes de realizar buscas, mas as
agências do governo parecem ter conseguido isso do Tribunal de
Monitoramento.