23 junho 2013

Editorial: Destravar São Paulo


Se os protestos que tomaram as ruas do país terminaram por catalisar insatisfações latentes na sociedade e veicular uma disparatada pauta de reivindicações, é fato que tudo começou com uma demanda específica: a revogação do aumento das tarifas do transporte público ineficiente e precário. 

Na Grande São Paulo, onde as dificuldades de mobilidade urbana assumem proporções dramáticas, o poder público está diante de uma oportunidade única para elevar o padrão dos serviços de ônibus e trens nos próximos anos. 

Na capital, encerram-se na quarta-feira as audiências públicas com vistas ao lançamento de uma nova concorrência para a exploração das linhas municipais de ônibus. 

As concessões, pelas quais a prefeitura pagará R$ 46 bilhões, serão divididas em oito lotes para consórcios de empresas de ônibus, com 15 anos de validade, e 12 lotes para cooperativas de vans (sete anos). 

O prefeito Fernando Haddad já se comprometeu com a meta de adicionar 150 km de corredores aos 130 km existentes.

 Isso custaria R$ 6 bilhões aos cofres públicos (só a revogação do aumento da tarifa representará um subsídio adicional de R$ 2,6 bilhões até 2016). 

Não basta, contudo, fixar apenas um objetivo ambicioso de expansão. É necessário que a prefeitura assegure o aumento da velocidade média dos ônibus, hoje em arrastados 12 km/h. 

Para tanto, é indispensável construir pistas de ultrapassagem e plataformas de embarque e desembarque. 

Nas avenidas com linhas mais demandadas, é recomendável adotar o sistema de transporte rápido por ônibus, conhecido pela sigla BRT ("bus rapid transit"). Trata-se de um metrô de superfície sobre pneus, com faixas próprias, estações e bilheterias. 

Muitas dessas melhorias precisam ser estendidas aos corredores existentes. Vários deles perderam a eficácia, pois ficam travados pelo excesso de veículos e pela inexistência de áreas de ultrapassagem. 

Seria desejável, ainda, que a redistribuição de linhas previsse a circulação de ônibus expressos ou semiexpressos, que fariam ligações diretas entre dois pontos, ou parariam só em estações selecionadas. 

A instalação dessa nova infraestrutura terá de ser acompanhada necessariamente de um desestímulo à circulação de automóveis. 

É impossível, numa megacidade como São Paulo, persistir num sistema de mobilidade urbana com base no transporte individual. 

Não parece ser o caso, por ora, de obter tal efeito onerando proprietários de carros com novas taxas, num país em que a carga tributária já é pesada. Mas não há como escapar de restrições físicas. 

Em algumas avenidas, o trânsito de ônibus tem de ser privilegiado, ocupando a maior parte da área disponível. Especialistas estimam que seria preciso diminuir em ao menos 30% as viagens de automóveis nas principais vias. 

Num município em que as linhas sobre pneus respondem por cerca de dois terços do transporte coletivo, melhorá-las é a alternativa não só mais rápida, como também a mais barata. 

Dito isso, continuam nebulosos os números do sistema de ônibus paulistano. Não se sabe, por exemplo, se a margem de lucro prevista para as empresas (em torno de 6%) corresponde ao real; há estimativas de que possa chegar ao dobro disso. 

A melhoria da frequência e do tempo gasto nas viagens é a prioridade maior. 

A certeza quanto a horários tem sido uma das razões do aumento da demanda pelo metrô --que, no entanto, está longe de suprir as necessidades da cidade. 

Os 74 km do sistema subterrâneo teriam de ser duplicados para chegar a uma rede de dimensões razoáveis. 

Ocorre que ampliar linhas de metrô sai pelo menos dez vezes mais caro do que implantar corredores de ônibus (cerca de R$ 35 bilhões, no caso da duplicação). 

Quanto à malha da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), é urgente acelerar o processo de modernização, dotando-a, ao menos em parte, de eficiência comparável à do metrô. 

Não há dúvida de que a rede pública de São Paulo terá de ser ampliada também por meio da conexão entre as diferentes modalidades. 

É indispensável que as as transferências sejam mais planejadas e distribuídas, de modo a facilitar a vida do usuário e evitar gargalos nas estações. 

O sistema deveria ser complementado por instalações adequadas para acolher passageiros que cheguem após pequenos trajetos de automóvel, táxi ou bicicleta. 

Considerando os vínculos da cidade com municípios adjacentes, também é conveniente criar uma autoridade metropolitana para o setor, com o propósito de coordenar os serviços oferecidos pelo governo estadual e pelas diversas prefeituras da Grande São Paulo.

Os desafios são vultosos, e os recursos para investimento, limitados. Cabe à prefeitura e ao governo estadual equacioná-los. 

Um bom caminho seria deixar em segundo plano gastos com obras viárias. 

As ruas emitiram um sinal de alerta, que precisa ser ouvido. 

Arquivo INFOTRANSP