Se os protestos que tomaram as ruas do país terminaram por catalisar
insatisfações latentes na sociedade e veicular uma disparatada pauta de
reivindicações, é fato que tudo começou com uma demanda específica: a
revogação do aumento das tarifas do transporte público ineficiente e
precário.
Na Grande São Paulo, onde as dificuldades de mobilidade urbana assumem
proporções dramáticas, o poder público está diante de uma oportunidade
única para elevar o padrão dos serviços de ônibus e trens nos próximos
anos.
Na capital, encerram-se na quarta-feira as audiências públicas com
vistas ao lançamento de uma nova concorrência para a exploração das
linhas municipais de ônibus.
As concessões, pelas quais a prefeitura
pagará R$ 46 bilhões, serão divididas em oito lotes para consórcios de
empresas de ônibus, com 15 anos de validade, e 12 lotes para
cooperativas de vans (sete anos).
O prefeito Fernando Haddad já se comprometeu com a meta de adicionar 150
km de corredores aos 130 km existentes.
Isso custaria R$ 6 bilhões aos
cofres públicos (só a revogação do aumento da tarifa representará um
subsídio adicional de R$ 2,6 bilhões até 2016).
Não basta, contudo, fixar apenas um objetivo ambicioso de expansão. É
necessário que a prefeitura assegure o aumento da velocidade média dos
ônibus, hoje em arrastados 12 km/h.
Para tanto, é indispensável
construir pistas de ultrapassagem e plataformas de embarque e
desembarque.
Nas avenidas com linhas mais demandadas, é recomendável adotar o sistema
de transporte rápido por ônibus, conhecido pela sigla BRT ("bus rapid
transit"). Trata-se de um metrô de superfície sobre pneus, com faixas
próprias, estações e bilheterias.
Muitas dessas melhorias precisam ser estendidas aos corredores
existentes. Vários deles perderam a eficácia, pois ficam travados pelo
excesso de veículos e pela inexistência de áreas de ultrapassagem.
Seria desejável, ainda, que a redistribuição de linhas previsse a
circulação de ônibus expressos ou semiexpressos, que fariam ligações
diretas entre dois pontos, ou parariam só em estações selecionadas.
A instalação dessa nova infraestrutura terá de ser acompanhada
necessariamente de um desestímulo à circulação de automóveis.
É
impossível, numa megacidade como São Paulo, persistir num sistema de
mobilidade urbana com base no transporte individual.
Não parece ser o caso, por ora, de obter tal efeito onerando
proprietários de carros com novas taxas, num país em que a carga
tributária já é pesada. Mas não há como escapar de restrições físicas.
Em algumas avenidas, o trânsito de ônibus tem de ser privilegiado,
ocupando a maior parte da área disponível. Especialistas estimam que
seria preciso diminuir em ao menos 30% as viagens de automóveis nas
principais vias.
Num município em que as linhas sobre pneus respondem por cerca de dois
terços do transporte coletivo, melhorá-las é a alternativa não só mais
rápida, como também a mais barata.
Dito isso, continuam nebulosos os
números do sistema de ônibus paulistano. Não se sabe, por exemplo, se a
margem de lucro prevista para as empresas (em torno de 6%) corresponde
ao real; há estimativas de que possa chegar ao dobro disso.
A melhoria da frequência e do tempo gasto nas viagens é a prioridade
maior.
A certeza quanto a horários tem sido uma das razões do aumento da
demanda pelo metrô --que, no entanto, está longe de suprir as
necessidades da cidade.
Os 74 km do sistema subterrâneo teriam de ser duplicados para chegar a
uma rede de dimensões razoáveis.
Ocorre que ampliar linhas de metrô sai
pelo menos dez vezes mais caro do que implantar corredores de ônibus
(cerca de R$ 35 bilhões, no caso da duplicação).
Quanto à malha da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), é
urgente acelerar o processo de modernização, dotando-a, ao menos em
parte, de eficiência comparável à do metrô.
Não há dúvida de que a rede pública de São Paulo terá de ser ampliada
também por meio da conexão entre as diferentes modalidades.
É
indispensável que as as transferências sejam mais planejadas e
distribuídas, de modo a facilitar a vida do usuário e evitar gargalos
nas estações.
O sistema deveria ser complementado por instalações adequadas para
acolher passageiros que cheguem após pequenos trajetos de automóvel,
táxi ou bicicleta.
Considerando os vínculos da cidade com municípios adjacentes, também é
conveniente criar uma autoridade metropolitana para o setor, com o
propósito de coordenar os serviços oferecidos pelo governo estadual e
pelas diversas prefeituras da Grande São Paulo.
Os desafios são vultosos, e os recursos para investimento, limitados.
Cabe à prefeitura e ao governo estadual equacioná-los.
Um bom caminho
seria deixar em segundo plano gastos com obras viárias.
As ruas emitiram um sinal de alerta, que precisa ser ouvido.