Um dos homens mais influentes da história do automóvel diz que, em 20 anos, dirigir carros será um lazer, excluído das cidades, como andar a cavalo
Por dizer o que pensa, sem rodeios, o administrador suíço Bob Lutz, de
80 anos, 49 dedicados à indústria automobilística, nunca chegou a
presidir uma montadora.
Por sua capacidade de antecipar os desejos do
consumidor de carros, tornou-se vice-presidente de quatro fabricantes.
Na BMW, nos anos 1970, ajudou a criar o Série 3, o mais bem-sucedido da
marca. Na Ford, foi responsável pelo utilitário Explorer, maior êxito da
empresa na década de 1990.
Na Chrysler, resgatou o prazer de dirigir os
carros americanos, ao lançar, em 1992, o esportivo Viper.
Na General
Motors, de 2001 a 2010, aposentou a marca Hummer, dos jipes devoradores
de gasolina, e criou o híbrido Volt. Para Lutz, os carros estão perdendo
apelo para sempre.
ÉPOCA – Carros particulares são uma espécie em extinção?Bob Lutz – Vender
carros novos será um grande negócio por muito tempo em países como
China e Índia, onde ainda são realmente necessários. Nos Estados Unidos e
em países europeus, é diferente. Onde o transporte público é bom, você
pode viver sem carro, se quiser.
ÉPOCA – As pessoas querem viver sem carro?Lutz – Os
jovens de hoje cresceram cercados de Porsches, Ferraris, Mercedes e
BMWs. Como cresceram tendo tudo isso ao redor, pensam que não há nada de
especial neles.
É como… a geração do meu pai era muito, muito
interessada em estradas de ferro. Os garotos daquele tempo colecionavam
figurinhas de trens.
Quando meu pai me falava sobre isso, eu dizia: “Oh,
trens! Isso é tão ultrapassado! O negócio são carros”. Isso durou
muito, mas agora a novidade são os componentes eletrônicos, a realidade
virtual, a conectividade.
ÉPOCA – Por que o carro conquistou gerações de jovens?
Lutz – Carros permitem interação social. Carro era o meio para ir ao encontro de amigos e levá-los ao cinema.
Lutz – Carros permitem interação social. Carro era o meio para ir ao encontro de amigos e levá-los ao cinema.
Era um símbolo
importante de reconhecimento social. E, mais importante, você podia
levar garotas para passear, conversar com elas a sós e engrenar um
relacionamento.
Carro era um santuário de privacidade para jovens de
todos os países.
Agora, os jovens têm componentes eletrônicos para
mandar textos, fotos e vídeos, uns aos outros.
Estão tão constantemente
em contato que a necessidade de conexão, antes proporcionada pelo carro,
foi suprida. Mesmo o papel de exibir sinais de prestígio, antes
representado pelo carro, foi ocupado.
Há muito prestígio em ter a última
geração do iPad.
ÉPOCA – Tablets e celulares proporcionam mobilidade, integração
e prestígio, mas não proporcionam sensações físicas, como vento no
rosto. Gadgets podem ser tão sedutores quanto carros?
Lutz – A sedução dos carros não faz mais sentido.
Lutz – A sedução dos carros não faz mais sentido.
O tempo de
viagem não depende mais da potência e da estabilidade de um carro, e sim
dos limites de velocidade impostos.
Um jovem de 18 anos deve se
perguntar: “Por que devo comprar um Lamborghini Murciélago, de US$ 300
mil, se ele é tão rápido quanto um Cruze, de US$ 17 mil?”. Como um
apaixonado por carros, acho isso deplorável, mas faz muito sentido.
Além
da imposição de limites de velocidade, o carro perdeu apelo ao ser
transformado em vilão como causa do aquecimento global.
ÉPOCA – O carro é o novo cigarro?
Lutz – É. Depois dos cigarros, o automóvel se tornou o inimigo público número um.
Lutz – É. Depois dos cigarros, o automóvel se tornou o inimigo público número um.
A sociedade entende que já derrotou o fumo, e agora
está indo atrás do carro.
ÉPOCA – Como o senhor vê os carros daqui a 20 ou 30 anos?
Lutz – Nesse prazo, em países desenvolvidos, veremos carros elétricos, completamente autônomos.
Lutz – Nesse prazo, em países desenvolvidos, veremos carros elétricos, completamente autônomos.
Você dirá aonde quer ir e ele irá,
sozinho. Ao entrar numa estrada, se integrará a um comboio de outros
carros, afastados entre si 1 metro, viajando a cerca de 200 quilômetros
por hora.
A estrada será um ponto de energia, que recarregará os carros
que passam por ela.
O motorista poderá ler, dormir, fazer o que quiser.
Quando chegar ao destino, bastará descer do carro e mandá-lo estacionar.
O carro encontrará uma vaga e fará manobras sozinho.
Para ir embora, é
só chamar o carro de volta.
ÉPOCA – Qual será o papel do motorista?
Lutz – Não haverá mais motoristas no trânsito.
Lutz – Não haverá mais motoristas no trânsito.
Os cavalos
costumavam ser o principal meio de transporte, até que foram banidos das
ruas pela chegada dos carros.
Ainda há uma enorme quantidade deles, mas
agora ficam guardados em estábulos. São usados para esporte e lazer.
É o
que acontecerá com os carros.
Nos Estados Unidos, já existem clubes
automotivos. Eles compram um terreno imenso, constroem duas ou três
pistas, piscina, restaurante, salão de festas e garagens.
Você pode
deixar seu carro lá, sob cuidados.
Em vez de jogar golfe, você pode ir
lá, vestir um macacão e dirigir.
O futuro do carro será sem motorista,
com funcionamento autônomo.
O prazer de dirigir, como o conhecemos, será
algo para lugares fechados.
ÉPOCA – Por que comprar um carro que anda como um trem?
Lutz – O carro será rápido, ao evitar congestionamentos e usar as estradas com eficiência. Erros e distrações do motorista, que causam acidentes, serão removidos pela tecnologia.
Lutz – O carro será rápido, ao evitar congestionamentos e usar as estradas com eficiência. Erros e distrações do motorista, que causam acidentes, serão removidos pela tecnologia.
ÉPOCA – Sem poluir o ar ou provocar acidentes de trânsito, o carro deixará de ser um inimigo público?
Lutz – Certas pessoas odeiam carros e continuarão assim.
Lutz – Certas pessoas odeiam carros e continuarão assim.
Algum
dia, um ambientalista dirá: “Certo, os carros não poluem mais o ar nem
causam acidentes, mas eles estão matando taaaaantos insetos!”.
Diariamente, carros matam centenas de milhares de valiosos insetos, ao
bater neles com o para-brisa.
Não sabemos os efeitos disso ao meio
ambiente ou à economia de países exportadores de frutas. Parece
engraçado, mas alguém dirá isso.
ÉPOCA – O carro perderá para sempre, para smartphones e tablets, seu papel de instrumento de liberdade e de expressão pessoal?
Lutz – Sim. Essa geração do futuro, que terá carros autônomos, não verá qualquer valor especial nos carros. Basta olhar para trens e ônibus.
Lutz – Sim. Essa geração do futuro, que terá carros autônomos, não verá qualquer valor especial nos carros. Basta olhar para trens e ônibus.
Ninguém liga para a aparência deles, ninguém quer saber o nome
do fabricante, ninguém olha e diz: “Esse é um Mercedes”. Você apenas
embarca.
Os carros do futuro também serão assim. Nos anos 1950, canetas
esferográficas eram um avanço tecnológico. As boas marcas de
esferográficas eram muito caras. Hoje isso parece muito estranho. O
grande prestígio de ter uma esferográfica de marca... Ninguém liga mais
para a marca das canetas. Você pode pegar uma de graça no hotel.
ÉPOCA – Mas carros não são canetas esferográficas. Os carros
ditaram a distribuição geográfica de cidades, ditaram padrões de
comportamento e tornaram-se um fenômeno cultural. Seu declínio, se de
fato ocorrer, deixará um vácuo. O que ocupará seu espaço?
Lutz – O espaço será ocupado por realidade virtual e hologramas 3D, criados pela computação.
Lutz – O espaço será ocupado por realidade virtual e hologramas 3D, criados pela computação.
Eles levarão as pessoas a
praticamente qualquer lugar. Você poderá viver a experiência de jantar
com quatro pessoas, sem nenhuma outra estar ali, porque parecem reais.
A
necessidade de locomoção real cairá muito. Caminhões continuarão
necessários para transportar produtos, mas passar quatro horas na
estrada, para visitar alguém, será algo muito menos frequente.
ÉPOCA – Mickey Drexler, conselheiro da Apple, disse que o
último plano de Steve Jobs era criar um carro. Como o senhor imagina que
seria esse possível “iCar”?
Lutz – Não conheço o projeto, então não posso responder. Toda vez que esses caras de eletrônica tentaram se meter com carros, fizeram besteira.
Lutz – Não conheço o projeto, então não posso responder. Toda vez que esses caras de eletrônica tentaram se meter com carros, fizeram besteira.