ÉPOCA desta semana traz histórias de quem decidiu abrir mão do carro particular nas metrópoles brasileiras
>>Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana (edição 765)
Mônica França, fisioterapeuta, buscava mais conforto no caminho de casa
para seu trabalho, no Rio de Janeiro. Camila Nihei, médica, queria se
deslocar mais depressa por São Paulo. O analista financeiro Danilo
Ramalho desejava acordar um pouco mais tarde. Ricardo Santos,
publicitário, pretendia viajar mais. Historicamente, a resposta para
essas vontades é usar um carro particular. Foi justamente o que cada um
deles experimentou, durante anos. Até desistir.
A perda do poder de sedução do carro é uma tendência mundial, como ÉPOCA mostrou na edição 758 (leia a reportagem aqui).
A perda do poder de sedução do carro é uma tendência mundial, como ÉPOCA mostrou na edição 758 (leia a reportagem aqui).
No Brasil, tal comportamento foi confirmado pela Pesquisa de Origem e
Destino do Metrô de São Paulo: de 1997 a 2007, o uso de transporte
público na capital subiu de 45% para 55%. Segundo a imobiliária Lopes,
63% dos próximos lançamentos residenciais na capital estarão a até 1
quilômetro de uma estação do metrô.
Ganhar qualidade de vida na locomoção diária virou sonho de consumo da
classe média. ÉPOCA entrevistou brasileiros que escolheram viver sem
carro.
Eles não fizeram isso por ativismo. Pelo contrário, guardam
ótimas lembranças dos carros que tiveram.
Apenas resolveram experimentar
outra forma de viver e não se arrependeram.
Leia dois desses depoimentos abaixo e mais histórias em ÉPOCA desta semana. A revista está nas bancas a partir deste sábado.
E você? Tem alguma experiência semelhante? Optou por uma vida sem
carro ou já pensou em optar? Conte na área de comentários embaixo deste
texto.
saiba mais
Como trabalhar de terno, gravata, capacete e bicicleta
Numa manhã de fevereiro de 2011, o vereador paulistano José Police Neto
(PSD), de 40 anos, acordou cedo e encarou sua bicicleta. Claramente
acima do peso – na época, ele estava com 96 quilos, muito para quem mede
só 1,60 metros –, decidiu levá-la para passear até o centro de São
Paulo, uma pedalada de 12 quilômetros partindo de sua casa, no bairro de
Moema. Fez o percurso em 47 minutos. “Achei que fosse morrer”, diz.
Quase dois anos depois, Police, agora cerca de 20 kg mais magro e com
condicionamento físico em dia, demora 22 minutos no mesmo trajeto.
“Queria um veículo em que eu pudesse usar minha capacidade individual
para me locomover”, afirma. De quebra, ele usou o apelo da bicicleta em
sua campanha eleitoral no ano passado. Foi eleito pela segunda vez
presidente da Câmara de Vereadores.
O dia a dia de plenários e visitas institucionais que a posição de homem público exige não o impediu de manter o plano de trabalhar de bicicleta.
O dia a dia de plenários e visitas institucionais que a posição de homem público exige não o impediu de manter o plano de trabalhar de bicicleta.
Ele tem algumas artimanhas para não parecer que acabou de
sair de uma corrida de aventura quando chega pedalando ao gabinete. Como
na Câmara de Vereadores não tem chuveiro, Police não consegue tomar
banho. Então faz uma parada na padaria vizinha para esperar o corpo
esfriar e secar. E só aí troca a camiseta dry fit, uma tecnologia que
impede a absorção do suor, pela camisa social. Na mochila, mantém sempre
um blazer de cor escura que amassa menos. Além de roupa extra no
escritório por precaução.
Quando era presidente da Câmara, Police precisava andar acompanhado de homens da Polícia Militar. A equipe que assumiu sua segurança, a mesma que prezava pela vida do ex-governador de São Paulo José Serra, não sabia ao certo como fazê-lo sobre duas rodas. Até então, trabalhavam em carros blindados, aeronaves e helicópteros. O comandante da trupe teve primeiro de aprender como é a escolta de bicicleta, para em seguida treinar seus cabos. “Eles ficaram assustados, tinham medo de acontecer alguma coisa comigo”, afirma. “Tanto que escalaram um ultramaratonista para me acompanhar”. Juntos, os sete seguranças que se revezavam no trabalho perderam 150 quilos.
Desde que adotou a bicicleta, Police já acumulou em torno de 3 mil quilômetros de pedal.
Quando era presidente da Câmara, Police precisava andar acompanhado de homens da Polícia Militar. A equipe que assumiu sua segurança, a mesma que prezava pela vida do ex-governador de São Paulo José Serra, não sabia ao certo como fazê-lo sobre duas rodas. Até então, trabalhavam em carros blindados, aeronaves e helicópteros. O comandante da trupe teve primeiro de aprender como é a escolta de bicicleta, para em seguida treinar seus cabos. “Eles ficaram assustados, tinham medo de acontecer alguma coisa comigo”, afirma. “Tanto que escalaram um ultramaratonista para me acompanhar”. Juntos, os sete seguranças que se revezavam no trabalho perderam 150 quilos.
Desde que adotou a bicicleta, Police já acumulou em torno de 3 mil quilômetros de pedal.
A mulher reclama que, depois da virada, o marido
desaprendeu a dirigir carros.
Um dos automóveis da família, um Santana
anos 1990, está à venda.
Apesar de ter perdido o jeito com os veículos,
Police sarou de um problema na coluna, melhorou a alimentação, diminuiu
os copos de cerveja aos finais de semana, passou a dormir melhor.
“Quando fico poucos dias sem usar a bike, logo percebo as consequencias
na falta de sono”, diz. Seu próximo desafio agora é ir até Aparecida do
Norte com sua magrela. Vai pagar uma promessa que fez para o
Corinthians, seu time, se tornar bicampeão mundial.
Pedestre de carteirinha
(Por Thaís Fonseca, de 29 anos, é editora-assistente do portal Meus 5 Minutos)
Pedestre de carteirinha
(Por Thaís Fonseca, de 29 anos, é editora-assistente do portal Meus 5 Minutos)
"Quando eu estava para me mudar do interior de São Paulo para a
capital, há 6 anos, uma das primeiras recomendações que eu ouvi foi a de
providenciar um carro. “Não dá para viver sem por aqui”, ouvi de alguns
paulistanos nativos e outros recém-migrados.
O problema é que, apesar
de ter carteira de motorista, eu não tinha vivido o “sonho do carro
próprio” e, recém-formada, levaria um bom tempo até comprar um. Resolvi
me mudar sem. Alguns apostaram que eu não suportaria e imploraria aos
céus por quatro rodas e um motor. Pois se enganaram. Ao contrário: virei
pedestre de carteirinha.
Desde a minha vinda para a capital, já me mudei mais de 6 vezes de casa
e 5 vezes de bairro. Ainda me impressiono ao ver um mundo de gente para
fazer baldeação na estação de metrô da Sé, e com a longa espera por
ônibus aos fins de semana.
Mas aprendi a me movimentar por São Paulo
dependendo apenas dos meus pés e do transporte público. Sim, dependentes
de carro: há lados positivos nisso. Um deles é poder mexer mais o corpo
e perder boas calorias sem pensar muito nelas.
A outra é ler mais – e
boa parte das minhas leituras dos últimos anos avançaram enquanto eu
estava a caminho do trabalho. Também posso divagar à vontade no caminho,
sem ser chamada de volta à realidade por uma buzina estridente. Além de
ser possível enxergar de uma perspectiva mais próxima (e, para mim,
mais interessante) as ruas, lugares e pessoas. A pé você descobre coisas
no seu próprio bairro que, de carro, talvez nunca notasse.
Não estou dizendo que tudo é uma maravilha. A falta de pontualidade dos ônibus e o mau estado de conservação no interior de alguns deles estão entre os problemas.
Fora a falta de iluminação em alguns pontos de
ônibus, o excesso de gente no metrô em horários de pico (merecíamos mais
linhas cobrindo toda a cidade, não?) e muitos problemas de sinalização e
logística para a passagem de pedestres em várias esquinas.
Tudo isso me faz cair na tentação de recorrer ao taxi quando estou
atrasada ou cansada demais, confesso. Mas desistir de ser pedestre,
sinceramente, não me interessa. Recentemente, eu e meu marido compramos
um carro .
Ele é o motorista, por enquanto - minha carteira de motorista
venceu há meses e eu, até agora, não a renovei.
O motivo para a compra
foi, principalmente, viagens que fazemos nos fins de semana.
Por ora,
prefiro ir ao trabalho, durante a semana, como pedestre.
Essa resolução
me faz ler mais, me mexer mais e ver de perto belezas e problemas da
cidade que, presa e solitária e em um carro só meu, eu não veria."