27 agosto 2012

Olhares no vai e vem dos trens de Natal



Uma visão turva ou quadrada. Assim é a capital vista de dentro dos vagões das antigas locomotivas da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). As janelas não são abertas e o vidro é velho, embaçado. O sistema será substituído pelo moderno Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), que fará parte do percurso onde hoje existe a Linha Norte, entre Natal e Ceará-Mirim. Serão 12 veículos novos e cada um poderá transportar até 600 usuários. O VLT será construído até Extremoz, na região metropolitana. Terá 18 metros de comprimento, ar condicionado, acessibilidade aos portadores de deficiência física e velocidade máxima de 40km/h. Os veículos serão similares aos que já estão em operação nas cidades de Recife e Maceió. Cada veículo será constituído por três carros movidos a tração diesel elétrica e diesel hidráulica.

Hoje, os potiguares que moram na periferia da capital ou em cidades da Grande Natal e que utilizam o transporte ferroviário convivem com um sistema que ainda funciona, embora de forma precária, e que por isso requer mudanças urgentes. Da estrutura das estações até os trilhos, o sistema se distancia anos-luz dos bucólicos sistemas ferroviários ainda mais antigos mas infinitamente mais bem-conservados vistos na Europa, que permitem aos usuários ter conforto na viagem, tomar vinho a bordo e transitar, por exemplo, entre vários países. Aqui, é proibido beber.

Os trens de Natal são diferentes, mas ainda agradam os usuários. O Poti/Diário de Natal resolveu embarcar na viagem do percurso que será contemplado no novo VLT, entre a Estação Ribeira (Natal) e Extremoz. Percebeu que não é tão ruim andar de trem, como dizem os críticos. Com buracos nas ruas, andar de ônibus é mais aventureiro. No trem, ao longo do caminho, repórter e fotógrafo observaram a Natal que poucos vêem. Ouviram os usuários do sistema, que em geral estão conformados com a falta de conforto, a escassez de viagens e os horários em que os trens partem lotados. Eles justificam que o esforço vale a pena por causa do baixo custo da viagem: apenas R$ 0,50. Através de imagens, convidamos o leitor a seguir conosco nos trilhos.

9h44 - Estação Ribeira
O trem parte pontualmente às 9h44, conforme previsto na tabela de horários estabelecida pela CBTU. A previsão é chegar a Extremoz às 10h36 [52 minutos depois], mas o trem ainda seguirá até Ceará-Mirim, onde termina a viagem. O trem parte com cinco vagões puxados pela locomotiva, e cerca de 30 passageiros a bordo, todos sentados. O supervisor de limpeza, Marcos Domingos, diz que normalmente naquele horário é assim. "À noite, na última viagem, ele sai lotado". No percurso inicial e pela porta dos fundos do último vagão, é possível ver o estuário do Potengi e as casas e barcos de pesca que ficam na beira do rio e no Passo da Pátria. Visão diferente da que tem quem passa por cima, na Avenida do Contorno, próximo à Pedra do Rosário.

9h50 - Estação Alecrim
A estação tem sinais de vandalismo como pichações na parede. "Às vezes tem arrombamento", explica um dos passageiros. Na estação, embarcam o agente de portaria Márcio Santana, 23 anos, que leva diariamente sua mulher, Ana Caroline, grávida de oito meses, até Ceará-Mirim. "O trecho mais lotado é na outra linha, entre o Planalto e Parnamirim. Tem vezes que ele demora a vir, passando até três horas entre um e outro. O que é mais chato nas viagens com o trem lotado é que minha mulher, mesmo grávida, nem sempre consegue local para sentar". "As pessoas não têm consciência. Ignoram", diz ela.

9h55 - Estação Quintas
Ao passar pela comunidade Guaritas, crianças que brincavam na rua jogam pedras no trem. Por sorte não batem em ninguém porque as janelas não são abertas. "O povo joga muito pedra no trem nessa parte da cidade. São vândalos. Somos trabalhadores, não fazemos mal algum para eles", observou o pedreiro Marcos Tarcísio da Silva. O trem segue pelas comunidades do Mosquito e Beira-Rio, próximas à Ponte de Igapó, sob olhar atento de uma passageira sentada sozinha no banco frio do trem. Mais adiante ela terá uma visão mais próxima do Potengi e da velha ponte inglesa de ferro. Ponte adormecida sobre o estuário que dá nome ao Rio Grande do Norte.

10h01 - Estação Igapó
Na primeira parada na Zona Norte da capital, o trem recebe mais passageiros. Agora são cerca de 100 usuários que seguem em direção a Extremoz e Ceará-Mirim. A autônoma Lilian Beth Silva de Sousa, 23 anos, fazia sua segunda viagem de trem. Moradora de São Gonçalo do Amarante, ela estava indo a Extremoz com o irmão, Luan, e a filha pequena, visitar a mãe, que mora na cidade vizinha. "Estamos indo visitar minha mãe. Eu gostei da viagem, estrutura boa. Minha mãe é quem usa muito o trem pra nos visitar em São Gonçalo do Amarante. As pessoas falam mal do trem, mas é um transporte barato".

10h09 - Estação Santa Catarina
Mesmo com muitas vagas, um senhor que tem assento preferencial opta por observar o conjunto Panorama em pé, pela janela do trem. Na Estação Santa Catarina, mais sinais de vandalismo. Os seguranças dizem que o perigo acontece porque a estação fica aberta. Eles também permanecem durante toda a viagem, para evitar assaltos e brigas nas viagens. "De vez em quando alguns passageiros querem se estranhar", comentou um deles, que prefere não se identificar.

10h11 - Estação Soledade
Do lado de fora, muito lixo jogado nas ruas do conjunto Soledade. Os prédios do outro lado do Potengi não são mais vistos e o trem segue seu caminho. Nalva Fernandes, dona de casa de 53 anos, observava pacientemente a paisagem. "Gosto do trem porque é barato e passa nas horas certas, embora às vezes quebre. O conserto é rápido. O trem fica cheio às seis da noite, e também no início da manhã, mas dá para acomodar todo mundo. Não fica ninguém sem viajar. Se eu fosse de carro, acho que levaria uma hora. De trem daqui a pouco eu chego, menos de meia hora". Após a conversa, a mulher torna a obervar a paisagem ao longo de sua viagem, feita diariamente entre o bairro Potengi e Ceará-Mirim.

10h18 - Estação Nova Natal
O lixo aumenta e se torna lixão. Crianças brincando com detritos, carroceiros jogando entulho, restos de poda e construção civil. O cenário é visto no lixão de Nordelândia, no bairro de Lagoa Azul, onde fica a Estação Nova Natal. Este é o momento da viagem em que o trem fica mais cheio, mas com lugar para todos estarem sentados. Cerca de 300. São jovens estudantes, homens e mulheres, casais, grávidas sozinhas, senhores e senhoras.

10h22 - Estação Nordelândia
Depois do lixão, é possível ver, pela janela a lagoa de Extremoz, um dos maiores mananciais da Grande Natal, que abastece parte da capital. A lotação do trem começa a se esvair. Os passageiros começam a chegar ao seu destino.

10h30 - Estação Estrela do Mar
Alguns casebres simples, vistos com mais frequência na periferia da capital, começam a dar lugar a casas de alvenaria, bem estruturadas e com infraestrutura de comércio e escolas nas imediações. Não há mais lixo, e sim plantações e áreas verdes destinadas à agricultura. Estamos chegando a Extremoz, município da Grande Natal.

10h36 - Estação Extremoz
Pontualmente no horário previsto, o trem chega ao nosso destino final: Extremoz. A equipe de O Poti/DN desce na estação central da cidade. A infraestrutura é antiga. Uma data descreve que a estação pertence à RFFSA, e tem mais de cem anos. Mesmo assim, é bem conservada e não há sinais de vandalismo. Rampas de acessibilidade garantem o acesso de pessoas com dificuldades de locomoção. Quase vazio novamente, o trem segue até o terminal, em Ceará-Mirim, de onde voltará mais de uma hora depois fazendo nova viagem.
 

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