Ações promovidas por empresas e
funcionários podem ter um impacto significativo sobre o trânsito de
cidades como São Paulo, argumenta um estudo do Banco Mundial que será
apresentado nesta quinta-feira na capital paulista.
O estudo acompanhou por um ano um grupo de
empresas na região da avenida Luis Carlos Berrini (polo empresarial na
zona sul de São Paulo) e propôs um plano de mobilidade que abrangeu 1,5
mil funcionários — incentivando o uso de transportes público e
alternativo e flexibilizando turnos de trabalho.
"O impacto quantitativo ainda não
foi tão grande. Mas houve um impacto qualitativo em vários
funcionários", diz à BBC Brasil Andrea Leal, consultora do Banco Mundial
e coordenadora do estudo.
Se mais empresas aderirem a iniciativas do tipo, "haverá um efeito maior no trânsito da região", avalia Leal.
"Já vimos algo semelhante nos Estados Unidos, em
Estados como Washington e Califórnia, onde há dados mostrando redução
de congestionamentos e de viagens de carro por causa de programas de
mobilidade corporativos", diz.
"Algumas cidades têm leis obrigando empresas com
mais de cem funcionários a ter um plano de mobilidade e meta de reduzir
o número de funcionários dirigindo sozinhos."
Medidas
O estudo de Leal listou algumas iniciativas que
podem ser adotadas por empresas e pelo poder público para impactar o
trânsito sem a necessidade de grandes obras viárias.
Mesmo com as deficiências de redes de transporte
como a paulistana, que tem pontos de saturação e notadamente precisa de
mais investimentos, Leal diz acreditar que é possível aproveitar melhor
os recursos públicos já disponíveis e evitar viagens de carros.
A seguir, as sugestões aplicadas no projeto do Banco Mundial na Berrini:
1. Estimular o uso do transporte público entre os funcionários, por exemplo oferecendo linhas de ônibus fretados e eliminando a cobrança de 6% sobre o salário para custear o vale-transporte.
"Muitas empresas custeiam estacionamento para
funcionários, mas cobram os 6% do vale-transporte", opina Leal. "É um
desestímulo que parte do pressuposto de que que todos preferem ir de
carro."
A pesquisadora diz que o poder público pode ter
papel fundamental nesse ponto, dando incentivos fiscais para empresas
que renunciarem da cobrança.
Funcionária do Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa, uma das participantes do estudo, a assistente de
operações Natalia Sorrentino Silva, 26, trocou o carro pelo ônibus
quando sua empresa abriu mão da cobrança do vale-transporte.
"O tempo de viagem de carro ou de ônibus é
praticamente o mesmo, mas não aguentava mais o trânsito", diz Natalia —
lembrando que, na hora do rush, carros levam até 30 minutos para
conseguir sair da garagem, de tão congestionada que fica a Berrini. "Nos
dias que venho de carro, volto mais tarde, em horários que não sejam de
pico."
2. Ajudar os funcionários a conhecer suas opções de transporte.
Segundo Leal, o hotel Hilton, outro participante do estudo, conseguiu
incentivar o uso de transporte público produzindo um documento, entregue
aos funcionários novos, detalhando todas as opções de linhas de trens,
ônibus e metrô próximas.
3. Flexibilizar horários de trabalho,
permitindo que funcionários façam sua jornada de forma a evitar
deslocamentos em horários de rush e possam usar o transporte público em
períodos menos congestionados.
4. Incentivar o trabalho à distância - algo que não se aplica a todas as empresas e funcionários, mas que pode aumentar satisfação e produtividade, argumenta Leal.
O Banco Mundial custeou parte dos custos de um
projeto-piloto entre as empresas participantes, ajudando-as a
implementar a tecnologia necessária e a definir metas para avaliar o
trabalho feito por funcionários remotamente.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
é um dos que estão implementando o trabalho à distância, que até o ano
que vem deve ser viabilizado para metade dos 43 empregados de sua sede
em São Paulo.
"O funcionário ainda precisa participar de
reuniões e eventualmente vir ao escritório, mas sem a carga de estresse
de diariamente levar horas para ir e voltar do trabalho", diz Emilio
Martos, superintendente de operações da empresa.
5. Estimular caronas,
registrando-se em softwares e sites como www.caronetas.com.br ou
montando páginas no Facebook nas quais funcionários possam organizar
caronas entre si.
6. Melhorar a infraestrutura para quem quiser ir de bicicleta ao trabalho, como vestiários e bicicletários.
"É algo controverso, porque muitos não acham
seguro pedalar na cidade", diz Leal. "Mas em todas as empresas do
estudo, ao menos 40% dos funcionários demonstraram interesse em pedalar
ao trabalho."
No projeto, o jeito foi reduzir os riscos
organizando palestras com o grupo Bike Anjos, que disponibiliza
ciclistas experientes para acompanhar novatos em seu trajeto
casa-trabalho, buscar rotas mais seguras e ensinar cuidados de
segurança.
7. Política de semana comprimida de trabalho:
algumas empresas permitiram aos funcionários trabalhar uma ou duas
horas a mais por dia e folgar um dia por semana ou a cada 15 dias.
8. Pensar em alternativas à lei de polos geradores de tráfego,
que prevê que grandes empreendimentos que geram muito trânsito ao seu
redor devem oferecer alguma contrapartida para mitigar seu impacto.
"Até hoje, essas contrapartidas são geralmente investimentos em obras viárias (novas pontes, acessos etc)", diz Leal.
"Mas isso incentiva o uso de carros. Esse
dinheiro poderia ser usado para custear um corredor de ônibus ou
ciclovia e outras formas de transporte alternativo.
É preciso parar de
partir do pressuposto de que as pessoas terão de chegar de carro ao
local."
Resistência
O estudo deve fomentar o já aquecido debate
sobre o transporte público em São Paulo e no Brasil, sobretudo após a
onda de protestos de junho e julho – cujo estopim foi o preço da
passagem. Pesquisa recente do Ibope indica aprovação de 93% às faixas
exclusivas de ônibus ampliadas pela Prefeitura de São Paulo.
Apesar disso, Leal enfrentou resistências em
muitas empresas para criar um plano de mobilidade.
O estudo do Banco
Mundial, que começou com 80 firmas da Berrini, acabou com apenas dez
implementando medidas reais.
"Muitas empresas não consideraram isso uma prioridade, ou suas chefias não se envolveram diretamente no projeto", diz ela.
A segunda fase do projeto terá empresas que já
têm manifestado interesse em implementar planos de mobilidade — algo
que, segundo Leal, deve gerar efeito mais prático no trânsito
paulistano.
"Defendemos (a necessidade) inquestionável de
mais trens e metrôs, mas são soluções de longo prazo", argumenta Leal.
"É importante que as empresas percebam que, se abrigam muitos
funcionários, obviamente terão um impacto no trânsito da região. Elas
também têm de ser chamadas a pensar em como mitigar esse impacto."
A coordenadora do estudo diz que as conclusões do projeto serão apresentado ao prefeito Fernando Haddad.