04 janeiro 2014

O único jeito de resolver o trânsito de São Paulo

           

trânsito
O trânsito de São Paulo é um problema complexo, que esconde milhares de demandas de milhões pessoas.
 
Tem o cara que mora em Itaquera e trabalha em Pinheiros, a garota que quer explorar a cidade de bicicleta, o idoso que mora a quatro quadras da padaria mas compra os pãezinhos matinais de carro para evitar a calçada esburacada, o pai de família que precisa deixar os filhos na escola e passar no supermercado depois do expediente, o cadeirante que não é bem-vindo em quase nenhum lugar, o deficiente visual que precisa desviar de obstáculos por todos os lados.
 
Para que todas essas pessoas sejam atendidas em um território de 1.500 km², a cidade precisa de um sistema de transportes que dê conta da sua escala e da sua complexidade.
O problema é que as opções de transporte público em São Paulo são insuficientes, a infraestrutura para bicicletas é pífia e as calçadas são um desastre.
 
Por causa disso, hoje, a única coisa que realmente dá conta da escala gigantesca da cidade e da complexidade dos seus habitantes (se você não for atleta nem sardinha) é o carro.
Não ficou assim da noite para o dia. O Plano de Avenidas de 1930 do prefeito Prestes Maia determinou a prioridade aos carros na urbanização da cidade.
 
Só na década de 60, a frota de automóveis mais do que triplicou. A prefeitura correu atrás da demanda pensando só na escala. “Entre 1968 e 1974, um terço do PIB total da cidade foi usado para construir avenidas”, conta Luiz Carlos Mantovani Néspoli, superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP).
 
Quando não tinha mais para onde construir, começaram a reduzir as calçadas.
 
Passaram a moto-serra em 322 ipês roxos e amarelos da avenida Paulista para que os carros ganhassem uma faixa em cada sentido. “Na década de 90, grande parte das vias atingia a saturação máxima no horário de pico”, conta Néspoli.
 
Aí a engenharia de trânsito começou a apelar: reduziu a largura das faixas para criar novas fileiras de carros em avenidas como a 23 de Maio, a Rebouças e a Ibirapuera.
 
Depois de tantas décadas atropelando as demandas complexas das pessoas com o trator da escala, o trânsito e a cidade colapsaram.
Só que o colapso é também uma chance de quebra desse ciclo vicioso. Como afirma o engenheiro de trânsito e sociólogo Eduardo Vasconcelos em seu livro Mobilidade Urbana – o que você precisa saber, temos hoje “as melhores oportunidades de promover mudanças reais, de grande impacto e duração, capazes de criar condições adequadas e seguras de mobilidade para todos”.
No texto da semana passada, eu defendi a construção de faixas e corredores de ônibus porque eles são o caminho mais rápido e barato para que o transporte público ganhe escala na cidade de São Paulo.
 
Mas é claro que isso não pode ser feito cometendo o mesmo erro histórico de esquecer a complexidade.
 
Transformar São Paulo em um mar de corredores de ônibus também não é construir a cidade que queremos.
 
O objetivo final da mobilidade não deve ser aumentar a fluidez das pessoas pelas ruas, mas usar a cidade de um jeito mais eficiente e interessante.
Para começar a fazer essa equação dar certo, é preciso desistir das verdades absolutas.
 
Uma porção delas foi gritada nos comentários do texto da semana passada. Houve quem dissesse que São Paulo só se resolveria com uma rede densa de metrôs.
 
Mas não adianta seguir pensando só na escala.
 
Houve quem dissesse que a única solução era todas as empresas permitirem que as pessoas trabalhem de casa, assim ninguém precisaria mais pegar trânsito até o escritório.
 
Mas as soluções complexas também são difíceis de funcionar para todo mundo, em grande escala.
O que precisamos fazer é combinar ações de escala com ações de complexidade.
O corpo humano faz isso muito bem.
 
Quem me explicou foi o Denis Russo Burgierman, que além de diretor aqui da Super é professor de Sistemas Complexos na EISE. “Nosso corpo tem dois sistemas para proteção: o neuromuscular e o imunológico.
 
O neuromuscular (cérebro comandando nervos que acionam músculos que movem ossos) serve para escala, o imunológico (células independentes agindo cada uma por conta própria) serve para complexidade.
 
O neuromuscular é hierárquico, centralizado, o imunológico é horizontal, formado por vários agentes autônomos.
 
O neuromuscular serve para ameaças grandes, macroscópicas, o imunológico lida com ameaças minúsculas, microscópicas. Ter um sem o outro não adianta de nada.
 
Não há nada que um bíceps forte possa fazer contra uma bactéria.”
São Paulo precisa fortalecer seus músculos e seu sistema imunológico.
 
 Não dá mais para tentar resolver complexidade e escala em uma única ação.
 
O transporte público precisa atender a escala da cidade, mas deve ser combinado a outras medidas como novas lógicas de trabalho, de gestão do lixo, de abastecimento de comida, de drenagem de água, políticas de habitação que aproximem pessoas de seus empregos e um monte de outras ações complexas. Só assim aqueles caras do começo do texto serão, todos, contemplados.
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Há exemplos no mundo (já citados aqui) que começam a indicar caminhos para isso.
 
O Mo-bility, por exemplo, é um bilhete único em testes na Alemanha que integra a rede de transportes públicos à rede privada de bicicletas e carros de aluguel – e convida as motadoras a repensarem seu modelo de negócios vendendo, além de carros, serviços de car-sharing.
 
Quem tiver uma bicicleta própria ganha créditos nesse sistema por quilômetro pedalado.
O estado americano de Utah criou uma lei permitindo que a jornada semana de 40 horas semanais pudesse ser cumprida em 4 dias.
 
Com a adesão de diversas empresas, cerca de 5 milhões de quilômetros de carro deixaram de ser percorridos no primeiro ano, o que reduziu o trânsito da cidade.
E o Instituto de Sustentabilidade de Portland criou sedes em cada bairro da cidade para que a iniciativa privada, a academia e a sociedade civil se conectassem em escala local para construir a cidade que querem.
 
Essa ponte para pedestres e ciclistas aí abaixo foi construída assim.
Portlad
 

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