Trânsito em São Paulo: há alternativas para melhorar a circulação urbana
Cada vez mais cidades optam por tirar espaço dos automóveis e dar a ônibus, ciclistas e pedestres.
O EXAME Fórum Sustentabilidade discutiu essa e outras soluções para a mobilidade urbana
São Paulo - Quem diria? Chicago, Las Vegas e Los Angeles, nos Estados
Unidos, estão copiando cidades como Curitiba, Goiânia e a colombiana
Bogotá. Pelo menos na criação em suas ruas de faixas especiais para
ônibus, o chamado BRT (do inglês Bus Rapid Transit), que começou a
ganhar o mundo com base na experiência latino-americana.
O conceito não é novo. É uma tentativa de emular as características
boas do metrô usando ônibus — e investindo um décimo do necessário para
fazer um trem subterrâneo. A solução reúne faixas segregadas fisicamente
do trânsito, estações fixas, embarque em nível, pagamento da passagem
antecipado e veículos mais longos do que o normal.
A novidade é que, nos últimos dez anos, o número de cidades que usam o BRT no mundo aumentou de 50 para 166 e essa opção se tornou quase unanimidade entre especialistas em transporte urbano.
“O BRT de Bogotá acabou com o mito de que o sistema não pode ser usado
como transporte de massa, pois ele movimenta mais gente do que 95% das
linhas de metrô”, disse o consultor colombiano Oscar Edmundo Diaz no
EXAME Fórum Sustentabilidade, evento que discutiu em São Paulo, no dia
19 de novembro, soluções para a melhoria da mobilidade urbana — e, por
consequência, da qualidade do meio ambiente.
Diaz é sócio da consultoria GSD Plus e colaborou na gestão de Enrique
Peñalosa como prefeito de Bogotá, no fim da década de 90, período em
que o Transmilênio, o BRT local, e dezenas de quilômetros de ciclovias
foram feitos. A decisão política de Peñalosa seguiu um raciocínio
simples: priorizar o transporte público em vez do individual,
representado principalmente pelos carros.
“Hoje, não vejo muita perspectiva de melhorar o transporte individual motorizado na cidade de São Paulo”, disse Fernando Haddad, prefeito da capital paulista, no encerramento do Fórum.
Pouco mais da metade da população mundial mora em cidades. Em 2050, a
concentração será de 70%. No Brasil, a proporção de população urbana já é
de 84%. Nos últimos anos, as cidades brasileiras
vêm registrando um enorme aumento no número de carros. A consultoria
Ernst&Young fez um estudo que projeta dois cenários para o
transporte nas cidades até 2050.
A notícia ruim é que a mobilidade pode piorar muito. Hoje, metade do
transporte de pessoas no mundo é feita por carro. Se a evolução se
mantiver constante, em 40 anos quase 70% dos deslocamentos serão feitos
em automóveis. O resultado seria que cada pessoa perderia, em média, 106
horas anuais em engarrafamentos — o dobro de hoje.
Mas, se as metrópoles usarem os mecanismos disponíveis para incentivar
alternativas ao carro, a proporção pode mudar para 40% de pessoas se
movendo com carros e 60% com transporte público, compartilhado ou a pé.
O
gasto com transporte seria reduzido de 12% do PIB global para 6% e
180 000 mortes no trânsito seriam evitadas todos os anos — é uma
Araçatuba, do interior de São Paulo, salva por ano
“O mundo precisa de cidades compactas, integradas e includentes”, disse
no fórum Elkin Velasquez, coordenador do Habitat, programa das Nações
Unidas dedicado aos assentamentos humanos. A escolha de tirar espaço dos
carros e entregar aos ônibus é um símbolo disso. Mas vai ser preciso
muito mais para dar um salto qualitativo.
Sistemas como BRT e metrô miram atender o maior número possível de
pessoas. Quando Velasquez diz que as cidades precisam ser compactas,
refere-se ao adensamento das áreas que têm mais acesso a esse tipo de
transporte: o de massa. É o que o Rio de Janeiro vem tentando fazer.
Parte da cidade está sendo cortada pela via Transcarioca, um BRT que irá
até a Barra da Tijuca, bairro nobre da zona oeste e um polo econômico
de importância crescente.
A inauguração da Transcarioca está prevista para o início de 2014. Em
2016, a zona norte receberá o Transbrasil, uma ligação até o centro.
Hoje, o metrô também já atravessa essa parte da cidade, onde há um
grande número de casas. “Como a zona norte terá uma infraestrutura de
transporte muito melhor, queremos aprovar um projeto para aumentar o
gabarito de construção da região”, diz o prefeito do Rio, Eduardo Paes.
“O objetivo é adensar ainda mais o entorno das estações de BRT e metrô.”
O Plano Diretor que a Câmara Municipal de São Paulo está discutindo
parte da mesma premissa e avança em outro ponto vital para melhorar a
mobilidade no longo prazo: o uso misto dos bairros. Melbourne, na
Austrália, foi eleita pela consultoria Economist Intelligence Unit nos
últimos três anos como a cidade mais “habitável” do mundo.
Um dos principais quesitos é o equilíbrio entre prédios comerciais —
onde estão os empregos — e residenciais, o que diminui a necessidade de
mover as pessoas. “Medellín, na Colômbia, também dá exemplo de uso
variado dos bairros”, diz Velasquez, da ONU. “O trânsito é disperso por
vias paralelas e há um número crescente de parques e espaços públicos ao
ar livre.”
Medidas de curto prazo
Mas também há um conjunto de medidas de curto prazo que podem melhorar o
transporte público. “Eu não consigo entender por que ainda não é
difundido no Brasil o uso da Onda Verde nos semáforos para ajudar o
fluxo dos ônibus nos horários de pico”, diz Gilberto Peralta, presidente
da GE, fabricante de sistemas de controle e equipamentos elétricos.
Ele se refere à solução que dá prioridade à passagem dos coletivos em
cruzamentos e que é usada corriqueiramente em cidades pequenas, médias e
grandes lá fora.
Pelo mundo, costuma ser parte fundamental dos sistemas
de BRT, para garantir que os ônibus não percam tempo nos cruzamentos.
Mas a tecnologia também pode ser utilizada em linhas de ônibus normais:
um dispositivo “avisa” quando o ônibus está se aproximando do sinal para
que seja aberto.
Mas toda essa tecnologia não resolve uma questão inerente a qualquer
rede de transporte complexa: a capilaridade.
Os sistemas de informação
sofisticados devem indicar e fomentar a integração e o uso de mais
opções. A boa e velha caminhada, por exemplo, não deve ser subestimada.
“A cidade não pode ser feita só para veículos motorizados”, diz Oscar
Diaz, da GSD Plus. “É preciso estudar o pedestre.”
O prefeito de Nova
York, Michael Bloomberg, parece ter entendido isso. Durante seu mandato
de 12 anos, tomou várias medidas para tornar mais agradável a vida de
quem anda pela cidade.
Na intervenção com melhor custo-benefício, Bloomberg ampliou o tamanho
das calçadas na região da Times Square e melhorou a sinalização.
Conseguiu elevar 11% o número de pedestres da área e cortar 63% dos
acidentes.
Mesmo tirando faixas do trânsito, a fluidez dos carros no
bairro aumentou 18%. O custo: 1,5 milhão de dólares.
“Se você der às pessoas um ambiente adequado para andar, elas vão
escolher andar”, diz Helle Soholt, presidente do Gehl Architects,
escritório que auxiliou a prefeitura de Nova York na tarefa de dar mais
espaço aos pedestres.
Atualmente, o Gehl está elaborando um projeto para
o centro de São Paulo com a prefeitura. Estima-se que 25% dos
deslocamentos de pessoas na cidade são de, no máximo, 3 quilômetros.
Caminhar ou pedalar seriam saídas ideais.
A mesma lógica do espaço para caminhadas, portanto, pode se aplicar ao
uso de bicicletas.
Em Bogotá, 370 quilômetros de ciclovias foram
construídos desde a gestão de Enrique Peñalosa.
Hoje, 5% da população se
locomove diariamente com as bicicletas.
O espaço para os ciclistas em
Bogotá é mais do que o dobro do disponível em São Paulo, onde as
ciclovias são usadas basicamente para lazer.
Se Bogotá já avançou, o que dizer de Amsterdã, onde a proporção dos que
pedalam é de 60% da população todos os dias? É a prova de que a ideia
de que as pessoas podem ir trabalhar todos os dias de bicicleta não é
utópica. “Uma forma de incentivar é garantir que as estações de metrô,
trens e BRT tenham bicicletários”, diz Adalberto Maluf, da C40.
O sistema de aluguel de bicicletas que já funciona em capitais
brasileiras inspirou o setor automotivo, que também não quer um cenário
de imobilidade maior ainda, mas que espera dobrar suas vendas nos
próximos 30 anos. Sistemas de compartilhamento de veículos estão
proliferando pela Europa e pelos Estados Unidos.
O usuário pega um carro perto de uma estação de transporte público e o
devolve em vagas especiais perto de casa. É uma aposta de algumas
montadoras. “O aluguel de carros para trajetos curtos é uma das saídas
para completar a última milha dos trajetos, e acreditamos que essa
solução pode pegar”, diz Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz
no Brasil.
A empresa alemã criou o sistema Car2go, de aluguel de carros em
pequenas estações espalhadas por pontos estratégicos e já oferece o
serviço em 25 cidades — a maioria na Alemanha e nos Estados Unidos.
Cidades do mundo inteiro estão se movendo para resolver os problemas de
transporte e a ordem do dia é conseguir o melhor custo-benefício. “As
cidades vão gastar bilhões tentando criar novos espaços públicos, como
grandes avenidas e elevados, ou vão se empenhar em usar melhor o que já
existe?”, diz Paulo Custódio, consultor de transporte do Banco Mundial. A
conclusão do EXAME Fórum é que a segunda opção é a que faz sentido.