Em discurso de final de ano aos executivos do grupo, o presidente das Organizações Globo, Roberto Irineu Marinho, afirmou que a Globo tem de se planejar para os próximos 20 anos. "Não me interessa saber o que as Organizaçães Globo serão daqui a cinco anos; me interessa pensá-las daqui a 20 anos", disse o executivo.
Para Marinho, a Globo só manterá a liderança se continuar sendo inovadora, pensando à frente da concorrência e antecipando tendências.
"As Organizaçoes Globo não são líderes à toa. Somos líderes porque ao longo de toda a nossa história soubemos pensar adiante, geração após geração".
No discurso, Marinho falou ainda sobre o "medo" sobre o futuro que afeta empresários de mídia. Esse "sentimento é natural e benéfico", acredita.
"Mesmo com nosso imenso sucesso, ninguém acredita que o jogo está sempre ganho", afirmou. "Precisamos ousar sem ter medo de errar, buscar o novo, explorar o contraditório", afirmou.
Para Marinho, não existe mais diferença entre mundo analógico e digital. É tudo digital. A seguir, a íntegra do discurso:
“Caros companheiros, cada vez mais gosto destes nossos encontros de fim de ano.
É claro que o objetivo principal é agradecer a todos vocês o empenho e o zelo com que todos dirigem as nossas empresas: Reconheço em cada um o entusiasmo e a garra para nos levar ao sucesso. São poucos os grupos empresariais que reúnem executivos como vocês.
Por isso, digo logo: Muito obrigado. Obrigado pelas realizações, obrigado pelos resultados extraordinários.
Mas meu gosto por esses encontros tem outro motivo também.
Mais de um mês antes deste almoço, já tem início a reflexão sobre o que dizer, sobre qual é a mensagem que precisa ser passada, qual é a essência daquilo que de fato importa para o futuro.
Isso permite a mim e a meus irmãos conversas bastante produtivas, ajudadas pelo ciclo de planejamento e orçamento que nos dá a oportunidade de conhecer detalhes de tantas áreas.
E a mensagem aqui é uma só: é preciso que dirijamos as nossas empresas sempre com o olhar no futuro.
Mas um futuro de longo prazo. Vinte anos, por exemplo.
Cada passo nosso tem de ser dado com o olhar nesse horizonte: O que fazer para que daqui a 20 anos tenhamos a mesma pujança, a mesma força, o mesmo ímpeto que temos hoje?
É evidente que não vamos nos descuidar dos desafios de curto prazo, porque isso é obrigação de qualquer administrador.
Mas não há nada mais maléfico para a vida das empresas do que o pensamento centrado no curto prazo.
Os resultados costumam ser brilhantes, mas duram pouco, e o futuro é um amontoado de problemas.
Numa conversa outro dia, eu disse que não me interessa saber o que as Organizaçães Globo serão daqui a cinco anos; me interessa pensá-las daqui a 20 anos.
E por que 20 anos? Por que se formos discutir os próximos cinco anos, vamos debater sobre tecnologia, sobre qual o device portátil que passará a ser usado para ler jornais e revistas, sobre como será a TV que você tem em casa, se será grande, de alta qualidade, 3D, 4K, 8K?
Ficaremos presos aos formatos, aos aparelhos, à plataforma de distribuição e esqueceremos o essencial que é a qualidade de nossos conteúdos e a qualidade do relacionamento com nossos clientes.
É o pensamento de longo prazo, sempre estratégico, que nos faz chegar bem ao futuro.
Nao se trata de adivinhação, nem de um simples desejo. Mas de se ter claro o que queremos ser lá na frente.
E como diz o documento Essência Globo, de 1997, nós queremos ser o ambiente onde todos se encontram. Revisitamos há pouco esse documento, e este é o ponto que melhor nos define. Com isso em mente, o objetivo está claro.
Nosso papel, nos próximos anos, é encontrar os caminhos para que, daqui a 20 anos, esse enunciado não seja apenas a expressão de um desejo, mas continue sendo uma realidade, como é hoje.
E por que falo hoje do futuro? Porque sinto em todos com quem converso, mesmo com o otimismo que nos caracteriza, uma certa angústia com o momento revolucionário que a mídia vive em todo mundo. Para não esconder a palavra, um certo medo.
Não acho ruim. Como a ciência bem afirma, foi a capacidade de sentir medo que trouxe a raça humana até aqui.
Mas o medo construtivo: aquele que percebe o perigo, nos põe em estado de alerta e nos ajuda a traçar uma estratégia para superá-lo.
Portanto, esse sentimento é natural e benéfico.
Eu estaria incomodado se percebesse que, diante de todas as transformações que a Era Digital está pondo em marcha, eu encontrasse algum companheiro que desse de ombros.
O que não pode acontecer, repito, é a angústia paralisante. Nossa angústia tem de ser a angústia criativa, aquela que nos leva adiante.
E, por onde olhemos nas nossas empresas, é isso o que percebo. Mesmo com nosso imenso sucesso, ninguém acredita que o jogo está sempre ganho, todos estão criativamente preocupados com o futuro, buscando caminhos, estradas, saídas.
E a saída não pode ser outra senão a qualidade dos nossos conteúdos e do relacionamento com nossos clientes.
Precisamos cada vez mais fazer conteúdos de qualidade que informem e divirtam, surpreendendo o público, inovando, com uma criatividade ímpar.
Precisamos ousar sem ter medo de errar, buscar o novo, explorar o contraditório. E não devemos confundir qualidade com eruditismo, com hermetismo, com pedantismo. Numa linguagem direta, qualidade é fazer extremamente bem-feito aquilo que todos podem entender e apreciar.
Porque, na história do nosso grupo, a experiência nos mostrou, diariamente, que todo homem, o mais erudito e o mais simples, aprecia aquilo que tem qualidade.
Nossa vocação é essa, falar com o grande público.
Esteja onde estiver. Mais uma vez, não é uma frase vazia dizer que queremos ser o ambiente onde todos se encontram.
Mas, para chegar a um bom futuro, é preciso conhecer o presente. Ainda hoje, são muitos os que acreditam num mundo digital em contraposição a um mundo real, analógico ou que nome se queira dar. Não existem dois mundos, mas cada vez mais apenas um, o digital.
Essa é a chave para a compreensão do nosso projeto.
O mundo digital passou a permear toda a vida das empresas e das pessoas. Na tecnologia da informação, que nos ajuda a administrar melhor as empresas, no processo de criação dos produtos, nos sistemas de distribuição e no modo que podemos consumir os conteúdos.
Hoje, só há telefone digital, o relógio de cabeceira é digital, a escova de dente elétrica tem programa digital, escreve-se em devices digitais, o equipamento de cozinha é digital, automóveis têm tecnologia digital.
Mesmo a humanidade já é em alguma medida digital e será cada vez mais.
Chips instalados no cérebro já permitem recuperar a audição, marca-passos cardiológicos já são digitais e está avançada a pesquisa que permitirá aos paraplégicos comandar por meio de um chip também no cérebro um esqueleto externo que lhes devolva o movimento.
No próximo ano, um paraplégico usando esse Exo-esqueleto deverá dar o chute inaugural da Copa do Mundo no Brasil.
Com o que usualmente se chama de mídia, o mesmo se repete.
A televisão, o rádio, o jornal, as revistas, os livros e os produtos de internet que fazemos já são todos produzidos digitalmente, não importando como sao consumidos: se por meio de aparelhos que captem os conteúdos do espectro eletromagnético, se por meio de um suporte milenar como o papel ou se por meio de devices digitais que usem o protocolo IP, a internet.
Ou por uma forma inteiramente nova, que ainda venha a ser inventada.
Não é mais absurdo supor que um dia um livro ou um filme poderão ser consumidos diretamente no cérebro por meio de chips.
Mas mesmo nesse cenário futurista, não importará como o conteúdo será consumido: continuará a ganhar o jogo quem dispuser dos melhores conteúdos de qualidade.
Depois desse longo raciocínio, eu posso enfatizar que passou o tempo em que se acreditava que o futuro era ter, na internet, extensões dos nossos conteúdos já existentes.
O futuro é ter a consciência de que, se tudo já é digital, não faz mais sentido pensar num conteúdo como se ainda existissem duas formas de consumo, a digital e a analógica.
Devemos pensar os produtos já com a visão de que podem e têm de ser atraentes nao importa como serão consumidos.
Ora, se a produção é digital e o consumo também, limitaçoes serão superadas, recursos serão mais bem usados, potencialidades serão descobertas, complementaridades na forma de consumo reforçadas, e um conteúdo mais completo, mais atraente, mais abrangente e mais criativo será oferecido.
Essa visão tem de estar presente em todas as etapas: na concepção da ideia, na sua realização e na distribuição.
E a chave continuará a sempre ser a qualidade dos nossos conteúdos e do relacionamento com nossos clientes.
Isso certamente resultará em erros e acertos, mas é esse o caminho que nos levará ao bom futuro.
É desse movimento que pode surgir o inesperado, algo que ainda não sabemos o que é, algo que o público ainda não sabe que lhe é necessário e prazeroso e que, quem sabe, se torne um fenômeno.
Fico feliz de constatar que as nossas empresas já são muito diferentes do que eram há dez anos e vão mudar ainda mais.
Porque já vivem em plena Era Digital, que abre as portas para viabilizar essas mudanças.
Nada será imediato e completo, porque essa prática exige de nós uma mudança cultural, uma mudança na maneira de pensar. Mas isso já está em curso.
Algumas pessoas aqui presentes sabem que tive oportunidade de conviver com dr. Kobayashi, presidente da NEC, e escutar suas ideias e ensinamentos.
Em 1947, ano em que nasci, o dr. Kobayashi previu para o final do século que “os campos da computação e das comunicações iriam se fundir e que as técnicas de processamento da informação alterariam profundamente a natureza dos sistemas de comunicação” criando “um futuro em que indivíduos em qualquer lugar poderiam se comunicar com outros, em que o conhecimento seria universalmente disponível e a informação dos sistemas de computação e comunicação transporiam não só barreiras de distância como também de linguagem, levando inevitavelmente a um único, coerente, competitivo, mas amigável mundo.
Ele conseguiu com antecedência de 53 anos prever o impacto da tecnologia e o da internet na virada do século, mas os conflitos do século 21 mostram que ele errou quanto à natureza humana.
Hoje, o mundo digital é o mundo normal em que vivemos e sua ideia não nos surpreende mais.
A tecnologia será capaz de realizar todos os nossos sonhos e tudo aquilo que considerávamos impossível vai se tornar realidade. Mas o imprevisível será sempre o comportamento da sociedade. E é esse comportamento que nos influencia.
É sobre ele que precisamos trabalhar para tentar antecipar tendências. As Organizaçoes Globo não são líderes à toa. Somos líderes porque ao longo de toda a nossa história soubemos pensar adiante, geração após geração.
Esse foi o nosso maior ativo, contando para isso com a ajuda inestimável de companheiros como vocês, que comungam conosco esse modo de ser e agir.
2013 foi um ano maravilhoso. Tenham certeza: 2033 também será. Muito obrigado e bom Natal para todos."