14 abril 2012

Tese mostra relação entre ocupação do solo e acidentes de trânsito

Melhorar as condições de mobilidade nas cidades brasileiras é o principal objetivo da Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana, que foi sancionada no dia 3 de janeiro pela presidente Dilma Rousseff, e que entra em vigor nesta sexta-feira (13).

As novas regras priorizam o transporte público e sustentável sobre o motorizado individual. 

Esta lei, de nº 12.587, representa um importante marco na gestão das políticas públicas nas cidades brasileiras, embora, como aponta o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), para que seus efeitos sejam garantidos, deve haver engajamento político dos gestores municipais.

Atualmente, o carro vem sendo usado intensamente em muitas cidades brasileiras, devido à carência do transporte público e de condições apropriadas para o deslocamento a pé e de bicicleta. "Isso se deve à baixa prioridade e à inadequação da oferta do transporte coletivo, à carência de investimentos públicos e fontes de financiamento ao setor, à fragilidade da gestão pública nos municípios e à ausência de políticas públicas articuladas nacionalmente",  comenta Priscilla Alves, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana da UFSCar.

Priscilla explica que o uso intensivo do automóvel provoca diversos impactos econômicos, sociais e ambientais. Exemplos são a poluição atmosférica e sonora, congestionamentos, gasto maior em infraestrutura de vias e estradas, conflitos entre diferentes modos de transportes, redução na segurança para pedestres, eliminação de áreas verdes e aumento no número de acidentes de trânsito. "Este último impacto foi o que motivou minha pesquisa de mestrado, que defendi no fim do ano passado", acrescenta Priscilla.

Intitulada "Correlação entre acidentes de trânsito, uso e ocupação do solo, pólos geradores de viagens e população na cidade de Uberlândia-MG", a dissertação, orientada pelo professor Archimedes Azevedo Raia Junior, do Departamento de Engenharia Civil,  aborda a relação entre os pólos geradores de viagens – estabelecimentos de educação, comercial/serviço, supermercados e shoppings, saúde, residencial ou misto – e o número e a severidade dos acidentes de trânsito na cidade de Uberlândia. "As consequências de uma política urbana deficiente, e de uma quase ausência de medidas de planejamento urbano são inúmeras e todas elas comprometem a mobilidade, a acessibilidade e a sustentabilidade urbana", explica Priscilla.

Aumento populacional

De acordo com os dados levantados por Priscilla em sua pesquisa, o número de acidentes de trânsito vem crescendo em ritmo maior que o aumento populacional e o da frota nacional. A população aumentou 13,8% entre 1998 e 2005. Já a frota, que em 1998 era de 30,94 milhões, saltou 35,9%, chegando a 42,07 milhões em 2005. 

E a quantidade de acidentes com vítimas, que era 262.370 em 1998, passou para 383.370 em 2005 – um aumento de 46,1%. “O alto número de acidentes de trânsito é o resultado final que nos mostra que o modelo de mobilidade urbana adotado no momento é falho”, comenta.

O estudo apontou, de maneira geral, médios e fortes indícios de correlação entre os acidentes de trânsito, ou as severidades por eles causadas, e o tipo de uso do solo, bem como a quantidade populacional de determinadas áreas – no caso da pesquisa, na cidade de Uberlândia. "Verifiquei, por exemplo, que as escolas públicas (nível fundamental e médio) foram as que mostraram maior correlação com a acidentalidade viária, com forte relação com o número de feridos graves", conta Priscilla.

A pesquisa pode servir de parâmetros para outros estudos futuros e em outras cidades, entretanto, como esclarece Priscilla, "deve se considerar a particularidade local, pois cada cidade tem um dinamismo próprio e que precisa ser respeitado e avaliado".

Entre os veículos envolvidos em acidentes em Uberlândia-MG, Priscilla levantou que entre 2006 e 2008, 70% dos acidentes ocorreram com motoristas de carros e motocicletas. 

Ela verificou também um gasto da ordem de 5,3 bilhões por ano gerado pelos acidentes de trânsito em cidades brasileiras, sendo que 57% dos custos são produzidos por acidentes envolvendo automóveis e utilitários leves. As motocicletas são responsáveis por 19% desses custos. "Acredito que os automóveis particulares devem deixar de ter prioridade, pois só assim será possível pensar em mobilidade urbana sustentável e acessibilidade universal.

E com isso, diversas consequências pelo uso intenso do carro seriam minimizadas. Com a nova Lei, as propostas para que as cidades de pequeno, médio e grande porte priorizem outros meios de transportem agora são regulamentadas. Estamos caminhando para ações mais sustentáveis”, ressalta Priscilla.

Buscando ampliar as novas regras a um número maior de municípios, a nova Lei diz que os municípios com população acima de 20 mil habitantes devem elaborar planos de mobilidade urbana, a serem revistos a cada dez anos. Pela regra atual, essa obrigação é imposta apenas aos municípios com mais de 500 mil habitantes. 

Com isso, o número de cidades brasileiras obrigadas a traçarem políticas públicas de mobilidade urbana sobe de 38 para 1.663 municípios. As cidades que não cumprirem essa determinação serão penalizadas com a suspensão dos repasses federais destinados às políticas de mobilidade urbana.

“Ao entrar em vigor a Lei permite que os princípios e diretrizes estabelecidos em 2004 na Política Nacional da Mobilidade Urbana Sustentável, formulados pelo Ministério das Cidades passa a ter força de lei federal, e portanto, que sejam cobrados avanços no que se refere às questões da mobilidade urbana nos municípios brasileiros”, comenta Priscilla. Mas emenda dizendo que “só o fato de a Lei existir não resolverá os problemas da mobilidade brasileira. É preciso que a Lei se faça cumprir e que haja engajamento político para que a lei não fique apenas no papel”.

No primeiro quadrimestre deste ano, Priscilla publicou artigo na Revista dos Transportes Públicos da ANTP, com o mesmo título de sua dissertação. Este ano ela dará sequência a suas pesquisas no curso de Doutorado em Geografia na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com o tema “A qualidade e a sustentabilidade da mobilidade urbana com o auxílio de indicadores”.
 

Arquivo INFOTRANSP