Vice-diretora do Instituto Patrícia Galvão diz que espaços exclusivos reforçam a ideia de que vítima é culpada pelo abuso
A criação de espaços exclusivos para mulheres no transporte público é
uma questão polêmica e está longe de um consenso. Algumas cidades, como
Brasília e Rio de Janeiro, adotaram a medida como forma de tentar
reduzir casos de abuso sexual.
Na prática, essa iniciativa nem sempre funciona conforme o previsto.
Nos trens cariocas, por exemplo, falhas na fiscalização permitiram que
homens invadissem vagões destinados às mulheres, segundo mostrou reportagem da Rede Record, exibida em agosto do ano passado.
Em São Paulo, há pelo menos dois projetos sobre o tema tramitando na
Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). O mais antigo, de autoria
do ex-deputado Geraldo Vinholi e atual prefeito de Catanduva, é o PL
341/2005, que obriga as empresas de transporte urbano de passageiros,
tanto sobre trilhos quanto ônibus, a reservarem espaço para passageiras
nos horários de pico.
Como justificativa, o ex-parlamentar alega que “está se tornando
preocupante o número de mulheres molestadas sexualmente nos trens,
metrôs e ônibus do nosso Estado”. Ele acrescenta que “é dever do Estado
coibir a prática de delitos sexuais, por isso, este projeto de lei vem
ao encontro do interesse da sociedade”.
De acordo com a assessoria de imprensa da Alesp, por tratarem do mesmo
assunto, outros dois projetos, o PL 1.025/2011, do deputado Edson
Ferrarini (PTB), e o PL 175/2013, de Jorge Caruso (PMDB), foram anexados
ao PL 341/2005, que é o mais antigo. Desta forma, todos tramitam
juntos. Ainda conforme a assessoria, a matéria já passou por todas as
comissões e está pronta para a Ordem do Dia, em que deve ser discutida e
votada pelo plenário. Para entrar na Ordem do Dia, no entanto, depende
de uma decisão do Colégio de Líderes, e ainda não há uma previsão para
que isso ocorra.
Também na Alesp, tramita o PL 489/2013, do deputado Antonio Salim
Curiati (PP), que obriga “a CPTM (Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos) e o Metrô a reservarem em suas composições ao menos um
vagão de uso exclusivo de mulheres, nos horários compreendidos entre 7h
e 9h e entre 18h e 21h, de segunda a sexta-feira”.
Segundo o projeto, a restrição não atinge, por exemplo, meninos de até
12 anos ou idosos, desde que acompanhados por ao menos uma pessoa do
sexo feminino.
Conforme informação do site da Assembleia, em sete de outubro do ano
passado, a matéria foi recebida do relator pela Comissão de
Constituição e Justiça com voto favorável. Dois dias depois, foi
concedida vista ao deputado Geraldo Cruz (PT).
Capital
Na Câmara Municipal de São Paulo, também há projetos de lei sobre o
tema. Um deles é o PL 138/2011, do vereador Alfredinho (PT), cuja
proposta inicial era reservar com uma faixa rosa, áreas de vagões da
CPTM, do Metrô e das linhas de ônibus para mulheres.
Em outubro do ano passado, a matéria foi discutida durante audiência
pública e rechaçada por representantes do movimento feminista, o que
levou o vereador a recuar. Segundo a assessoria do parlamentar, o PL —
que recebeu o apelido de “ônibus rosa” —, não foi retirado e ainda
tramita, mas será totalmente reformulado.
Outro projeto de lei que tramita na Casa é 222/2012, de autoria do
vereador Dalton Silviano (PV), que “dispõe a obrigatoriedade da
Prefeitura da cidade de São Paulo em encaminhar proposta à Companhia do
Metropolitano - metrô a fim de destinar vagões exclusivo às mulheres”.
A Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa da
Câmara apresentou substitutivo à iniciativa, com o objetivo de excluir
um de seus artigos que, segundo parecer, extrapolava a competência
legislativa municipal.
“Retrocesso”
Na análise da vice-diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão,
organização que desenvolve pesquisas e campanhas voltadas para os
direitos das mulheres no País, projetos que estipulam espaços exclusivos
para o público feminino nos transportes coletivos representam “um
retrocesso cultural e perigoso”. Mara Vidal destaca ainda que essas
propostas atentam contra o direito de ir e vir da mulher.
— Primeiro, acho que iniciativas como estas são totalmente contrafluxo.
Para que gerar um processo de segregação e cultivar ainda mais uma
mentalidade hipermachista, em que as mulheres têm que ficar confinadas
em espaços para se proteger dos homens?
Na avaliação dela, iniciativas do tipo reforçam a ideia de que a vítima é culpada pelo abuso.
— A partir do momento em que todas as vezes nós somos a que temos que
ficar presas, confinadas em algum lugar, então, com certeza, essa
mensagem está dita.
Para a vice-diretora, é necessário incentivar a mulher a se proteger e a
denunciar. Ela afirma, ainda, que é a favor de campanhas protagonizadas
por homens com o objetivo de tentar intimidar o agressor.
— Algo como: “Você está sendo filmado”, “você é responsável por suas
atitudes”. Às vezes, as pessoas não acreditam que estão sendo filmadas