26 agosto 2013

Soluções holísticas para as cidades


Entrevista com Holger Dlakmann, presidente global da rede EMBARQ, e Robin Chase, fundadora e presidente da Buzzcar e da GoLoco.

 Os especialistas falaram sobre soluções para o setor de transportes e o futuro da mobilidade urbana.
Nós não deveríamos apontar os modelos de carro sustentáveis como a melhor solução. Com isso, nós apenas mudamos de congestionamento para congestionamento limpo.
Holger Dalkmann
No futuro, nós só vamos usar o carro quando ele for a melhor opção de transporte. O carro não será mais o padrão.
Robin Chase
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Vocês conhecem melhores práticas de transporte sustentável que tenham sido bem sucedidas e possam ser aplicadas em outras cidades?

Dalkmann Quando falamos em mobilidade sustentável, temos que olhar para o sistema inteiro. 

Em termos de soluções específicas, nós temos muitos bons exemplos ao redor do mundo, como o sistema BRT (Bus Rapid Transit) ou o aluguel e compartilhamento de carros. Se realmente queremos fazer uma mudança, é preciso olhar para dentro das cidades. 

Eu gosto de mencionar dois bons exemplos de uma abordagem holística em planejamento urbano sustentável. 

Uma é Copenhagen: em 1947, a cidade desenvolveu a visão de como queriam crescer, estabelecendo o plano de trânsito orientado conhecido como “Finger Plan” (Plano Dedo, em tradução livre): cinco dedos estendendo-se da palma de um centro denso para o resto da cidade. 

Ao longo dos anos, os habitantes de Copenhagen desenvolveram ainda mais essa visão. Eles têm linhas ferroviárias e outros sistemas de transporte eficientes. Além disso, Copenhagen estabeleceu a bicicleta como o modal chave e investiu em transporte coletivo nos estágios iniciais. 

Mas o mais importante, toda a rede do transporte de massa é densa, integrada e altamente acessível. Desde os anos 1970, Copenhagen é reconhecida como uma cidade modelo, onde transporte público e espaço encaixam-se “como uma luva” um com o outro – como apontado por Robert Cervero em sua publicação “The Transit Metropolis” (1998). 

Segundo exemplo: Nova York. A cidade começou as mudanças relativamente tarde. 

Nos anos 1960 e 1970, estava construindo rodovias e removendo parques, e nas décadas de 1980 e 1990 era vista como um ambiente congestionado e sem segurança. 

Um grande impulso de recuperação começou em 2002. 

Com o PlaNYC 2030, a cidade estabeleceu uma ideia holística para o desenvolvimento urbano sustentável para transformar Nova York em uma cidade melhor e mais verde. 

O plano inclui 14 ações específicas para melhorar e expandir a infraestrutura de transportes, reduzir os congestionamentos e manter e melhorar a condição física das estradas e do sistema de trânsito. 

O PlaNYC estabelece medidas como tornar as ruas mais seguras e convenientes para os ciclistas, melhorar o acesso e a segurança dos pedestres e utilizar mecanismos de taxação de congestionamentos.

Chase Para pensar em bons exemplos de mobilidade sustentável, temos que pensar no transporte ao longo do ciclo da vida das pessoas: nós temos diferentes necessidades de transporte dependendo da nossa idade e de cada tipo de viagem.

 Se pensarmos nos dois extremos, Houston versus uma vila rural africana, ambos utilizam apenas um modal: em Houston tudo é feito de carro e na vila rural da África a única escolha é caminhar. 

Uma diversidade de opções é a melhor solução: há trajetos que são melhores percorridos a oé, outros de bicicleta, moto, carona, metrô, etc – e cada um desses modais tem um espaço de acordo com as necessidades das pessoas. 

Eu costumo caminhar quando a distância é menor que 1 km, pedalar quando fica entre 1 km e 4 km, mais do que isso eu pego o metrô e só utilizo o carro quando a distância passa de 10 km. 

Se estou viajando com um grupo de pessoas, ou com crianças pequenas, minhas necessidades mudam e o meio de transporte que melhor vai satisfazer minhas necessidades pode mudar também.

Falando sobre transporte sustentável, uma solução seria reduzir as necessidades de mobilidade nas cidades. Como podemos fazer isso?
Chase Quando as cidades cresceram, em decorrência do processo de industrialização, os lugares onde moramos foram separados dos nossos locais de trabalho. 

Essa é a razão por que temos que percorrer grandes distâncias. 

Agora nós entendemos que a diversidade de locais com densidade populacional, proximidade de serviços e integração é o melhor para todos. Pegue Paris, por exemplo, onde morei nos últimos dois anos. 

Quase tudo de que eu precisava podia ser encontrado em duas quadras.

Dalkmann Concordo. Nós precisamos pensar em soluções que girem ao redor de acessibilidade e proximidade. 

O que as pessoas querem é chegar facilmente aos seus destinos e não perder tempo com longas distâncias. 

Agora, se nós tirarmos nosso olhar de Paris para observar as economias emergentes, nós temos um grande número de favelas e comunidades menores. 

No Rio de Janeiro, haverá um replanejamento dessas áreas para os Jogos Olímpicos. 

Como nós iremos desenvolver esses locais? É preciso pensar nisso. 

Fornecendo espaços públicos, ambientes seguros para caminhar e andar de bicicleta e acesso ao transporte coletivo, estaremos promovendo uma mobilidade mais sustentável. 

Por outro lado, se mantivermos a construção de estradas, enfrentaremos o aumento do uso de carros e motos e mais exterioridade.
BRT: uma das soluções para a mobilidade urbana (Foto: Mariana Gil/EMBARQ Brasil)

Junto ao crescimento urbano massivo na maior parte do mundo, em todos os lugares a população tende a morrer mais tarde. Nas regiões mais desenvolvidas das Nações Unidas, estimativas preveem que em 2050 mais de 30% da população terá mais de 60 anos. 

Quais soluções de transporte poderiam atender especialmente a geração mais velha?

Chase Uma geografia dependente do carro significa que, se você tem menos de 16 anos [idade mínima para dirigir nos Estados Unidos], você é um prisioneiro, e se você tem mais de 82, ou qualquer que seja a idade com que você pare de dirigir, você volta a ser um prisioneiro em casa. 

Especialmente quando se é mais velho, seria bom poder viver em um lugar com alta densidade populacional, onde a dependência do carro não seja tão grande. 

Um transporte independente do carro é a melhor opção, e garanti-la aos mais velhos é garanti-la a toda a sociedade.

Na Ásia, as cidades estão crescendo mais rápido do que em qualquer outro lugar. 

Onde os líderes municipais podem encontrar soluções de mobilidade sustentável e ao mesmo tempo considerar o meio ambiente e o clima?

Dalkmann Em Ahmedabad, na Índia, uma cidade com uma população de 5,5 milhões, as opções de trajeto eram limitadas até bem recentemente. 

As pessoas poderiam dirigir, pegar um auto rickshaw ou encarar um ônibus municipal superlotado e sem segurança. Uma rede de transporte coletivo acessível era necessária para que as pessoas pudessem alcançar seus destinos no menor espaço de tempo e da maneira mais fácil possível. 

O Sistema BRT de Ahmedabad foi a solução. Ele começou a operar em outubro de 2009, e teve um crescimento de 375% nos cinco anos seguintes – de 12 km para 45 km de corredores, número que segue aumentando; os planos são de 110 km adicionais nós próximos cinco anos. 

O número de passageiros diários também aumentou, de 18 mil para aproximadamente 130 mil. 

O melhor acesso ao transporte coletivo permitiu que Ahmedabad se mantivesse densa e compacta. 

Outro bom exemplo é Seul (Coréia do Sul): a cidade desenvolveu uma visão de crescimento verde, que se refletiu do projeto de revitalização do riacho Cheonggyecheon, que corta a cidade. Em 2003, o governo municipal de Seul iniciou a remoção de uma rodovia construída sobre o riacho nos anos 1970.

 Com a restauração do local, o legado histórico da área foi trazido de volta e a economia local, revitalizada. Cheonggyecheon hoje é um espaço público de descanso e divertimento para turistas e moradores. 

Aliado a um investimento no transporte coletivo, o projeto também ajudou a melhorar a mobilidade no coração de Seul. 

O governo municipal reporta a valorização dos terrenos, a melhoria da qualidade do ar e a redução do efeito ilha de calor. 

 Mais importante ainda: nove em cada dez moradores de Seul estão satisfeitos ou muito satisfeitos com o projeto.
Cheonggyecheon, depois da revitalização (Foto: Wikimedia Commons)
Analistas estão prevendo um crescimento exponencial do mercado de aluguel e compartilhamento de veículos. 

 É esse o futuro modelo da posse de carros?

Chase Eu espero! Nós precisamos convencer os moradores das cidades que a maneira mais legal, conveniente e econômica de usar o carro é pelo compartilhamento/aluguel. 

O que tem muitas vantagens: primeiro, eu gosto de enfatizar a ideia de “consumo colaborativo”, o que significa que utilizando um carro compartilhado você está fazendo um melhor uso dos recursos. 

Os carros são utilizados em uma média de duas das 24 horas do dia e a maior parte dos trajetos é feita com pelo menos três assentos disponíveis no veículo. 

Com o sistema de aluguel, nós fazemos um uso muito melhor desses bens tão caros e volumosos. 

Segundo, você pode escolher o carro que melhor se encaixa às necessidades de cada trajeto e só pagar quando usa. 

Terceiro, você tem acesso a uma frota de carros estacionados em todo lugar, e não apenas na frente da sua casa. Finalmente, a manutenção é problema de outra pessoa. Você não tem que se preocupar com isso.

Um passo adiante é o compartilhamento de carros “peer-to-peer”; um exemplo é a Buzzcar. 

Nós queremos permitir que os proprietários compartilhem seus próprios veículos, ociosos na maior parte do tempo e que custam às famílias em torno de 15% do orçamento doméstico.

 O compartilhamento de carros peer-to-peer reduz o número de carros necessários para atender uma dada população e reduz drasticamente o número de carros estacionados que entopem nossas ruas. 

Então, para resumir, as pessoas que compartilham veículos estão agindo de forma sustentável, dirigem com mais qualidade e são financeiramente inteligentes. 

Ter um carro é old school – o sistema de aluguel de carros é parte do novo estilo de vida urbano. E deveria ser encarado e comercializado como tal.

Os congestionamentos estão se tornando um problema crítico na maior parte do mundo. Quais políticas são bem sucedidas em fazer o transporte nas cidades mais sustentável?

Dalkmann Primeiro, o custo do transporte tem um efeito: preços de combustível mais altos e taxas para reduzir o uso do carro. Então, até um certo nível, a política fiscal é uma opção. 

O preço da gasolina na Europe é de duas a três vezes maior que nos Estados Unidos.

Segundo, o quadro que permite que as cidades invistam nas soluções certas: a Índia, por exemplo, deve investir 300 bilhões de dólares em infraestrutura urbana nos próximos 20 anos. 

A ideia é não apenas liberar o dinheiro, mas também unir o planejamento a soluções concretas por meio da priorização do investimento nos sistemas de transporte de massas – metrôs e BRTs. Programas similares de apoio ao transporte de massa e desenvolvimento urbano sustentável têm sido implementados na China, no Brasil e no México.

Terceiro, nós precisamos ajudar as cidades a criarem seus próprios fundos de transporte, por meio, por exemplo, da taxação sobre congestionamentos ou sistemas de pedágio urbano e gestão de estacionamentos. 

E com esse dinheiro as cidades podem melhorar o transporte coletivo. 

Os melhores exemplos estão em Singapura, Londres e Suécia, com pedágios de congestionamentos.


A chave é combinar planejamento espacial e políticas de transporte. Políticas bem direcionadas podem ajudar a melhorar o uso do transporte coletivo e reduzir o individual por meio de corredores exclusivos para ônibus, centros fechados aos carros, compra e uso restritos dos veículos, etc. 

As cidades simplesmente reduziriam a necessidade das pessoas de usar o carro.

Rua XV, em Curitiba, onde é proibida a circulação de veículos (Foto: Alcindo Neto)

Como nós podemos tornar o transporte coletivo mais atrativo – além de aumentar a abrangência da rede de transporte público? 
Dalkmann Com as cidades se expandindo e novas comunidades surgindo, às vezes desconectadas dos centros urbanos e da infraestrutura vital, está ficando cada vez mais difícil oferecer bens, serviços e emprego. 

O projeto “Last Mile” foca em como as pessoas realizam a última parte de seus percursos a pé, antes de pegar o ônibus ou o metrô. 

Nossa organização, EMBARQ, trabalha com comunidades para integrar os modais de transporte a fim de ajudar as pessoas a chegarem a seus destinos de maneira segura, acessível e sustentável, incluindo o estímulo ao uso da bicicleta por meio de sistemas de aluguel e compartilhamento de bicicletas e a construção de ciclovias; a criação de zonas restritas aos pedestres; e o apoio a iniciativas sociais inovadores, como a formalização de setores informais, como o sistema rickshaw.

Chase Muitas pessoas buscam soluções para o problema dos carros olhando para o final do problema. 

Mas é consideravelmente caro e difícil fazer isso logisticamente, uma vez que a maior parte dos deslocamentos é feita em uma única direção e nos horários de pico. 

Construir áreas de densidade populacional próximas aos locais de trânsito é importante. 

Esse também é o cenário para os veículos autônomos de que todo mundo fala. Para mim, eles têm um papel importante na solução do problema, tanto quanto o compartilhamento de carros.

Qual o potencial das TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) para mudar a maneira como nós usamos os serviços de transporte?

Dalkmann A tecnologia tem trasnformado comportamentos em muitas maneiras e o uso dos transportes não é uma exceção. 

As pessoas agora têm acesso instantâneo à informação sobre as melhores rotas e modais, congestionamentos, disponibilidade de estacionamento, o próximo ônibus, qual o melhor caminho para caminhar o pedalar e por aí vai. 

Sistemas avançados de cobrança de tarifa não são para um único modal, mas para uma rede de serviços integrados.

Além disso, a tecnologia é fundamental para uma melhor gestão dos sistemas como um todo: agentes de trânsito centralizados respondem melhor às demandas e fornecem informações precisas aos usuários. 

Motoristas de ônibus e operadores de trens cumprem melhor as frequências agendadas e esses veículos podem até se conectar aos semáforos para obter prioridade, principalmente quando atrasados.


Esses sistemas vão continuar evoluindo a passos largos no futuro próximo, facilitando a vida das pessoas na hora de fazer escolhas, evitar atrasos e integrar os pagamentos. 

A chave, de novo, são abordagens holísticas e integradas

Chase É graças às TIC que nós podemos criar qualquer sistema de compartilhamento. 

É fácil encontrar, cadastras e pagar por uma série de serviços, e novos sistemas e redes sociais ajudam a superar questões de confiança. Baixo custo e facilidade – a tecnologia é o que faz tudo isso possível. 

Além disso, como os sistemas de compartilhamento de carros e bicicletas dependem amplamente da tecnologia para cadastrar, pagar e gerar informação para os usuários, as TIC são um componente essencial dos modais de transporte, coletivos ou compartilhados.

Como é o carro do futuro? Quais são os modelos mais promissores (híbridos, a combustível, e-cars)?

Dalkmann Nós não deveríamos apontar os modelos de carro sustentáveis como a melhor solução. 

Com isso, nós apenas mudamos de congestionamento para congestionamento limpo, e isso não resolve o problema. Nós precisamos entender que os carros são parte da mobilidade, mas não o único caminho para alcançá-la. 

Nós precisamos planejar nossas cidades de forma diferente, para que seja possível usufruir espaços públicos caminhando e andando de bicicleta. 

E com transporte coletivo de qualidade para oferecer acesso a mais oportunidades. E as vantagens desse processo em termos de mudança climática e impactos na segurança são igualmente grandes.

Mas o carro tem um papel na mobilidade, representa uma boa fração dos deslocamentos que não envolvem trabalho e viagens pelo país. 

Logo, o carro do futuro deve ser mais eficiente e seguro, além de adaptado aos usos específicos. Nos meios urbanos, faz muito mais sentido ter carros pequenos, que otimizem o uso das ruas e estacionamentos.

Chase Eu concordo com Holger. Cada vez mais, o carro do futuro será um carro compartilhado, o que significa pagar por hora ou por dia, escolher o veículo certo para cada deslocamento, optar pelo modelo de acordo com a relação capacidade-lotação. Tudo isso quer dizer que nós só vamos usar o carro quando ele for a melhor opção de transporte. O carro não será mais o padrão.

Em poucas palavras: qual é a visão de vocês a respeito da “mobilidade do futuro”?

Chase Um sistema de transporte multi-modal e compartilhamento de veículos.

Dalkmann Concordo. Um sistema de transporte multi-modal e compartilhamento de veículos, isso complementado por áreas urbanas densas, integradas e acessíveis.
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Essa entrevista foi conduzida por Andrea Frost e publicada originalmente em inglês pela SIEMENS, aqui.

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