23 novembro 2013

Uma árdua batalha digital: Brasil segue na liderança de pedidos de remoção de conteúdos ao Google

Mas usuários sofrem para ver esses materiais retirados da internet
A atriz Paula Burlamaqui foi surpreendida com o telefonema de um amigo perguntando qual a razão daquele “ataque histérico” diante das câmeras, num vídeo que circulava na internet em 2009.

 Um dos títulos dizia “Paula Burlamaqui dá chilique e tira a roupa ao vivo” dando a entender que as cenas eram reais quando na verdade faziam parte do filme “Procuradas”, de José Frazão e Zeca Pires (2004). 

Aquela foi a primeira de muitas ligações que passou a receber de amigos e até de sua avó preocupados. 

Desesperada, a atriz pediu a retirada do conteúdo dos resultados da busca no Google, o que não aconteceu. 

O caso foi parar nos tribunais. 

Apesar de ter conseguido uma liminar, na ação contra a empresa, impedindo a divulgação, ainda é possível encontrar hoje as imagens na rede:

— Nunca mais faço cena de nudez no cinema — diz Paula. — Não dá mais, a cena vai parar na internet e você perde o controle, não sabe mais em que contexto ela será mostrada. Não fica mais restrita ao público que vai ao cinema assistir àquele filme — lamenta. 

A situação passada pela atriz é um exemplo de como conteúdos divulgados indevidamente na internet podem ter consequências desastrosas. 

Ontem, uma adolescente de 16 anos cometeu suicídio em Veranópolis, na Serra Gaúcha, após ter fotos íntimas divulgadas na internet.

Os problemas relacionados a conteúdos indevidos espalhados pela internet também ressoam nos últimos números divulgados pela Google, em 2012: o Brasil vem sendo recordista de pedidos de remoção de conteúdo por agências governamentais e tribunais em suas diversas plataformas. 

Um levantamento realizado pelo “Globo a Mais” sobre esses dados aponta que, entre 2009 e 2012, foram contabilizadas 2.258 notificações judiciais e governamentais.

 O Brasil está à frente de países como Estados Unidos (1.178), Alemanha (1.136) e Turquia (753). O número, no entanto, não inclui as solicitações feitas pelos usuários diretamente à Google.

Cada ordem pode retirar do ar mais de um item em diversas plataformas como Gmail, YouTube, Blogger, Orkut etc. Violência, direito do autor, Lei Eleitoral, difamação, críticas ao governo, privacidade, conteúdo adulto são alguns das esferas abarcadas pelos pedidos de remoção.

Para Thiago Tavares, presidente da SaferNet Brasil, ONG que busca defender e promover os Direitos Humanos na internet, empresas como a Google são mais ou menos efetivas na retirada de conteúdos de acordo com seus interesses.

— Muitas vezes, a Google invoca para si a condição da liberdade de expressão e usa isso de forma estratégica para que o usuário a perceba como defensora desse direito. 

Algumas vezes, ela está certa em agir assim, principalmente em pedidos que se amparam na Lei Eleitoral e que muitas vezes visam apenas restringir o direito de expressão. 

Mas em outras ocasiões, em situações que afetam a integridade de indivíduos, como o caso de fotos íntimas, a empresa peca por essa postura — afirma Tavares.

Na ação envolvendo a atriz Paula Burlamaqui, a advogada Rafaella Marcolini, que também pediu indenização por danos morais em nome da atriz à Google, critica o fato de a cena divulgada ter sido descontextualizada, deixando de ser apenas um download do filme.

— Em 2011 fizemos uma notificação extrajudicial. Como o conteúdo não foi retirado do ar, entramos imediatamente com ação judicial e obtivemos uma liminar, mas ainda não foi dada sentença — diz Rafaella, que monitora o site de buscas. 

Atualmente, o Brasil não possui uma legislação específica que trate da retirada de conteúdos da internet, explica Márcio Cots, advogado especializado em direito digital e membro do comitê de crimes de alta tecnologia e direito eletrônico da OAB de São Paulo. 

O que acontece é que o usuário pode solicitar a retirada de um conteúdo diretamente às empresas, mas elas só são obrigadas a retirá-lo a partir de uma ação judicial. 

— Além disso, a nossa legislação também não prevê que as empresas sejam culpadas por conteúdos publicados por terceiros. O que encontramos é a jurisprudência pelos dois lados: tanto responsabilizando as empresas da internet, quanto não responsabilizando. 

Sobre a questão, o Marco Civil da internet, que está em discussão na Câmara dos Deputados, determinaria expressamente que o site não é responsável pelo conteúdo de terceiros e que ele só deve retirá-lo mediante ordem judicial, a não ser nos casos que violem os direitos autorais.

Assim, o site só passa a ter culpa caso não acate a decisão da Justiça. Para Cots, no entanto, essa não é a melhor solução:

— Eu até concordo que o site não seja responsabilizado pelo conteúdo de terceiros, mas acho que a retirada dele deveria ocorrer não só mediante ordem judicial, porque isso em muitos casos prejudica o usuário. 

Afinal, encarece o processo, o torna mais complicado e mais lento. E em alguns casos, quanto mais tempo se passa para um conteúdo ser retirado, maior o dano que ele causa.

Nos EUA, segundo o advogado especializado em direito digital Leandro Bissoli, predomina a lógica “notice and take down” para a retirada de conteúdo online. Nela, os conteúdos indevidos são retirados tão logo os provedores recebam as notificações. 

No Canadá, por outro lado, os provedores e empresas de internet atuam mais como intermediários nos pedidos de remoção, sob a lógica do “notice and notice”: uma vez notificado, o provedor comunica o usuário que publicou o conteúdo e este pode assumir a responsabilidade de retirá-lo ou não. 

A produtora Walkiria Barbosa, da Total Filmes, chegou a notificar em vão a Google por permitir a busca de versões piratas de longas como “Se eu fosse você 2”, de Daniel Filho (em duas horas após a exibição já havia 600 mil downloads do filme).

 No caso de “Assalto ao Banco Central”, de Marcos Paulo, já há mais de 1,9 milhão de downloads: 

— Sempre digo que para exibir um filme é necessário pagar uma série de tributos. 

Mas quando você digita nomes de certos filmes na busca, é possível encontrá-los numa dezena de sites piratas, muitos deles tão bem feitos que o consumidor nem percebe que trata-se de pirataria. 

Eles exploram o filme comercialmente, com a venda de publicidade e até de assinaturas, muitas vezes paga pelo cartão de crédito. 

Dessa forma, estados e municípios estão deixando de arrecadar milhões. 

Mais impressionante ainda é descobrir que com uma simples busca com o nome da ex- apresentadora e modelo Daniela Cicarelli é possível encontrar o vídeo em que aparece supostamente tendo relações sexuais numa praia da Espanha com o então namorado Tato Malzoni, como segundo resultado. 

Na época , eles entraram com ação na Justiça, que resultou na paralisação temporária do YouTube, num caso considerado emblemático por juristas e especialistas em internet. Cicarelli não retornou as ligações da reportagem. 

A Google informa, no entanto, que não comenta casos específicos. Em nota, a empresa afirma que não é autora do conteúdo publicado em suas plataformas tecnológicas — nas quais pessoas criam e compartilham seus próprio conteúdos.

 A empresa diz acreditar que a liberdade de expressão é um dos fatores que tornam a “internet tão rica e útil para a sociedade” e que seus termos de uso especificam quais conteúdos são considerados impróprios. 

Os casos de uso indevido, segundo ela, são punidos com a remoção, mas a Google não exerce controle prévio sobre esses conteúdos. 

Além disso, argumenta a empresa, ferramentas como o SafeSearch e o Safety Mode do YouTube podem ajudar os usuários a reduzir a chance de que conteúdo impróprio apareça nos produtos. Ela diz ainda que não permite apologia ao ódio, conteúdo que representa violação de direitos autorais, ameaças de morte e outros conteúdos que incitem à violência.

Marcos Carvalho, da empresa AM4, que trabalha com inteligência digital, acredita que a retirada de conteúdo da internet é como “enxugar gelo” devido a rapidez na propagação da notícia. 

— A rede é um espaço orgânico de busca. A propagação de uma notícia ou vídeo é muito rápida. 

Pesquisas mostram, no entanto, que 80% dos internautas não passam da terceira página de resultados.

O que nossa empresa faz é ressaltar aspectos positivos do cliente. Quando você gera notícias positivas, de alguma forma as informações negativas vão sendo esquecidas — diz ele, ressaltando que são notícias reais, jamais inventadas. 

No caso da Cicarelli, especificamente, Marcos diz que como a modelo praticamente desapareceu da vida pública, o vídeo ainda é uma referência. Já Kate Midleton, duquesa de Cambridge, que teve imagens suas sem roupa divulgadas na rede, não são encontradas nas primeiras páginas de resultados: 

— Depois disso, ela engravidou, teve filho e essas informações ficaram sobrepostas Mas não é todo mundo que gera tanta notícia como a Duquesa, né? — afirmo Marcos, se referindo ao fato de Kate, mulher do príncipe William, atrair holofotes do mundo. 

Para Thiago Tavares, da SaferNet, falta boa vontade dessas empresas em implementar medidas para auxiliar ao usuário e ações que facilitem a retirada de material indevido.

— Muitas situações deveriam ser resolvidas por meio do próprio suporte ao usuário da empresa, o que não acontece. Faltam caminhos de auxílio ao usuário, como SACs. 

Casos de roubo de identidade, exposição de conteúdo íntimo, deveriam ser resolvidas de imediato pelas empresas. 

Só que isso implica em um investimento e um custo por parte delas, algo que nem sempre estão dispostas a ter, terceirizando a questão para a esfera judicial.

http://oglobo.globo.com/tecnologia/uma-ardua-batalha-digital-brasil-segue-na-lideranca-de-pedidos-de-remocao-de-conteudos-ao-google-10848413 


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