"Chamada a cobrar. Para aceitá-la, continue na linha após a
identificação."
A frase faz parte do sistema de ligação direta a cobrar,
criado por Adenor Martins de Araújo, 72.
Para ser reconhecido, foi preciso ir à Justiça contra a Telebras, para a
qual a invenção era de domínio público. "Foi muita luta.
Mas Davi
venceu Golias."
*
Tudo surgiu de uma necessidade. Eu tinha crianças no colégio.
A minha
menina, de 11 anos, estudava no centro. Um dia, ela esqueceu o dinheiro
do ônibus para voltar.
Ela foi até a empresa da minha mulher, mas a mãe tinha saído. Pediu
dinheiro emprestado, mas não deram.
Sem ficha, ela não podia ligar para
casa.
Ficamos sem notícias.
Ela esperou sentada numa galeria, sem
almoço, até que a mãe chegou, às 14h.
Tinha que encontrar uma solução.
Não só para o caso dela, mas para
emergências.
Eu também viajava muito e procurava alternativas para falar
com a família.
Naquele tempo, os orelhões funcionavam com ficha telefônica, e nem
sempre havia onde comprar.
Ligações interurbanas eram até 40% mais
caras, ficava constrangido se estivesse na casa de um amigo.
Mas o único jeito de ligar a cobrar era via telefonista, numa fila que
às vezes levava horas.
Ficava indignado. Foi aí que comecei a fazer o
projeto, à noite.
Comecei a desenhar um circuito. Do papel, passei a um
protótipo.
Foi o primeiro serviço com mensagem gravada. Escrevi e pedi para um
locutor gravar.
A mensagem era a mesma, só foi cortada uma introdução.
A
original começava com "Você está recebendo uma ligação a cobrar". No
outro lado: "Você está fazendo...".
Fiz isso em duas fitas cassete, que
tinham dois canais. Um com a voz do locutor. Outro, um bip de
sincronismo.
Também tinha outros detalhes. Na ligação normal, se eu colocar o
telefone no gancho, não te derrubo. A cobrar, precisava desligar no ato.
E depois botei o "9" para indicar um DDD a cobrar, invertendo a
tarifação.
Adenor Martins de Araújo, 72, mostra foto de homenagens pela sua invenção |
Para fazer tudo, ficava acordado até madrugada.
Quando as coisas surgem, você tem que pôr em prática logo, antes que desanime.
Levou dois meses para concluir o protótipo e testar.
Quando vi que ia
resolver o problema dos usuários, fiz uma carta para a Telesc, onde
trabalhava, e pedi testes.
Instalei o equipamento em Blumenau, no primeiro teste de campo, e
perguntei a um diretor se ele queria fazer uma ligação nacional.
Para
minha surpresa, ele ligou para o ministro das Telecomunicações, Haroldo
de Mattos, que estava no Rio. Considero essa a primeira ligação oficial a
cobrar.
Em 1982, começou a implantação do sistema, por Santa Catarina. Quando
recebi a carta-patente, em 1984, ainda estavam implantando.
Com a invenção, não teve mais telefonista, mesa interurbana, trabalho
manual.
O custo operacional das telefônicas caiu.
O serviço teve
aceitação imediata. Fui homenageado. Ministro, presidente da Telebrás e
governador me cumprimentaram. E depois quiseram anular a patente.
Foi aí que a luta na Justiça começou. Por lei, tinha direito de cobrar
royalties e até exportar a tecnologia.
Mas nunca ganhei nada. Só paguei.
Se vir o que gastei, podia ser um cara rico [ri].
Também sofri pressão. Trabalhava na Telebrás e fui a Brasília gerenciar
um projeto.
Diziam que, se não entregasse a patente, iriam me mandar de
volta a Florianópolis.
Era o fim do regime militar. Sentia-me uma
formiga pisoteada por um elefante.
Fui transferido para Florianópolis. Tive que voltar sozinho, minha
família depois.
Foi difícil. Depois a situação melhorou, ocupei cargos
de chefia, me aposentei. Também montei a minha empresa. Nunca parei de
trabalhar.
Desde que inventei o protótipo, já se passaram 33 anos, 25 na Justiça.
No dia 1º, meu advogado me ligou, disse que estava saindo do julgamento
[no STJ]. Fui reconhecido como o único inventor da chamada a cobrar.
Usei muito meu sistema, e ainda uso. Antes era o problema da ficha
[telefônica].
Hoje é o pré-pago. Mesmo com celular, sempre tem alguém
que precisa usar. Os jovens vivem sem crédito, não é?
OUTRO LADO
Procurada pela reportagem, a companhia Telebras informou que o caso é da
época da antiga holding de mesmo nome, que foi desmembrada e vendida
após ser privatizada, em 1998.
A atual Telebras diz não ter envolvimento no processo, por ter sido recriada em 2010.
Em Santa Catarina, a Telesc, empresa que fazia parte da Telebras, passou
para o comando da antiga Brasil Telecom, hoje Oi. A Oi, por sua vez,
afirmou que não comentaria o caso
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/10/1362767-minha-historia-inventor-ganha-na-justica-a-autoria-da-frase-chamada-a-cobrar.shtml