05 dezembro 2012

Aposta na tecnologia para encontrar soluções para a vida urbana

Em 2050, mais de mais 70% da população estarão nas cidades



Cidade inteligente
Foto: Francesc Palomas
Cidade inteligente Francesc Palomas
BARCELONA — As estimativas são da Organização das Nações Unidas (ONU). Todos os dias, cerca de 200 mil pessoas passam a morar em áreas urbanas em todo mundo. 

Até 2050, as cidades deverão concentrar 70% da população do planeta, índice já superado pelos países da América Latina e Caribe, regiões com maiores percentuais (80%). 

Tantas pessoas num mesmo lugar trazem enormes desafios, muitos deles comuns para brasileiros, mexicanos, colombianos: uma grande pressão por consumo de recursos naturais, que são finitos, e um aumento diário da demanda por serviços.

A imagem acima representa bem as consequências desse cenário. Criada pelo artista catalão Francesc Palomas, a aquarela de uma cidade superpovoada retrata um lugar com muita poluição, excesso de veículos, congestionamentos, poucas áreas verdes, produção abundante de lixo. 

Uma região urbana que incorporasse os preceitos de uma cidade sustentável deveria ser também mais verde e menos poluída. É um lugar mais agradável para se viver, como mostra a ilustração da próxima página, do mesmo artista.

Mas como transformar essa cidade imaginada em realidade? Apesar da crise econômica mundial que se arrasta há anos, uma série de instituições públicas e privadas, além de organizações não governamentais, têm apostado na tecnologia para encontrar soluções inovadoras no caminho do consumo racional de energia e água, gestão do trânsito, redução de CO², coleta de detritos e uso de transporte sustentável. São as chamadas cidades inteligentes.

Embora a tecnologia da informação seja uma das principais características na gestão das cidades inteligentes, especialistas, prefeitos e cientistas sociais têm defendido a necessidade de o uso dessas ferramentas promoverem ambientes colaborativos. 

Aparentemente simples, a proposta tem um efeito bastante significativo. Muitas soluções para os problemas locais dependem das informações que os próprios moradores têm acesso — ou podem gerar para as prefeituras — através, por exemplo, dos seus celulares.

— Cidades inteligentes não são apenas municípios dotados de infraestrutura tecnológica, mas aquelas que buscam ações coordenadas que facilitem o acesso dos cidadãos aos serviços e ao conhecimento. Sem essa preocupação, investir apenas em tecnologia pode resultar num grande gasto em equipamento, mas em pouco ou quase nenhum retorno social e econômico para a população — observa Tim Campbell, autor do livro “Além das Cidades Inteligentes” e presidente do Urban Age Institute, ONG com sede em Berkeley, nos Estados Unidos.

Com a medida que envolve a participação, Amsterdã faturou o prêmio principal do II Congresso Mundial de Cidades Inteligentes, realizado em Barcelona, em novembro. 

Todo o sistema de trânsito da cidade holandesa foi aberto para pedestres e motoristas, que agora podem acompanhar por seus smartphones qual é a melhor opção para se locomover no município, em especial com o uso das bicicletas. Iniciativa semelhante já existe em Barcelona, na Espanha. Lá, a população pode visualizar num mapa digital a localização exata do trem, táxi, metrô ou ônibus que deseja utilizar. Tudo por um aplicativo instalado nos celulares.

Em Águeda, Portugal, a prefeitura criou uma série de serviços pela internet e iniciou um projeto de incentivo ao uso compartilhado de bicicletas elétricas. 

A ideia surgiu por uma questão topográfica. O prefeito da cidade, Gil Nadais, conta que as ruas do município português são muito íngremes, o que dificulta o uso da bicicletas tradicionais:

— Com a abertura dos dados nos aproximamos da população e incentivamos o envolvimento dos moradores com os demais projetos.

Além de permitir o acesso ao sistema de trânsito, a administração de Seul tem apostado agora na troca de informações por meio digital com os moradores. O objetivo é identificar o mais rapidamente possível as demandas da população.

— O nosso modelo consiste em ter capacidade de predizer os acontecimentos que afetam a vida das pessoas; saber o que está acontecendo no exato momento; e dar respostas precisas às demandas — explica Jong Sung Hwang, assistente do governo metropolitano de Seul.

Sensores no celular

Exemplos de incentivos à colaboração acontecem também nos Estados Unidos, no México e em Israel. Em Boston, a administração local convidou a população a usar um aplicativo nos seus celulares que é capaz de monitorar o estado de conservação das ruas.

O equipamento permite que as trepidações sofridas pelos carros durante o percurso gerem informações online para a prefeitura. Tudo é apresentado num mapa na internet e, depois, é disponibilizado aos moradores.

— Com essas informações sabemos rapidamente onde há problemas nos quais precisamos atuar — explica Nigel Jacob, gerente do escritório de novas tecnologias urbanas da prefeitura de Boston, nos Estados Unidos.

A administração de Haifa, em Israel, tomou uma decisão radical: zerar o uso de papéis nos processos de licença urbanística. Tudo foi digitalizado e está disponível ao cidadão. A medida foi tomada em 2008 depois que a prefeitura notou um declínio nas licenças para novas construções. 

O principal problema detectado era a burocracia para obter os documentos. Caso parecido ocorreu na cidade mexicana de Zapapon.

 A prefeitura reuniu 600 moradores e, após três meses de muito trabalho, elaborou um mapa em 3D da cartografia da cidade. Todo mundo sabe onde estão e quais são as construções irregulares, e onde é preciso haver intervenção.

Se existe ainda distância considerável entre a realidade dos grandes centros urbanos e a ideia de uma cidade de fato sustentável, iniciativas urbanísticas, associada ao uso de tecnologia, têm mostrado que é possível mudar o modo de vida em alguns lugares. 

Na Espanha, foi construída, em Zaragoza, uma EcoCidade, que procura seguir os princípios estabelecidos pelo Protocolo de Kioto, isto é, baixa emissão de gases poluentes e uso racional de recursos naturais.

O bairro de Valdespartera começou a ser erguido em 2002 e foi concluído seis anos depois, num antigo terreno militar. O projeto foi possível graças a uma parceria público-privada que investiu cerca de R$ 3 bilhões. 

Com 243 hectares e 9.687 apartamentos, a EcoCidade espanhola é toda administrada por sistemas de informação online. O Wonderware permite ao centro de controle tomar uma série de decisões como regar as áreas verdes de acordo com as condições de temperatura e a umidade relativa do ar.

O sistema de informação, que custou cerca de 0,26% do investimento total do empreendimento, permite também controlar à distância o consumo de energia e gás das residências. Desde que foi criado, o bairro de Valdespartera mantém um consumo de energia entorno de 0,06 kw/h por m², quase metade do registrado na Espanha (0,11 kw/h por m²). 

Além do monitoramento do uso da energia, a EcoCidade faz coleta seletiva de resíduos, que são levados diretamente para a reciclagem.

— Entendemos que a sustentabilidade urbana é baseada no conhecimento e na possibilidade de verificação dos dados em tempo real. Assim podemos tomar medidas com maior poder de precisão — explica o administrado da EcoCidade, Miguel Portero.

Embora a experiência em Valdespartera tenha chamado a atenção de urbanistas e instituições preocupadas com o futuro das cidades, Portero defende que modelos como esses sobrevivem exclusivamente se tiverem o apoio da população local:

— A ideia de cidade inteligente não deve, é claro, ser limitada à análise de dados para a tomada de decisões estratégicas. É preciso estar atento também às demandas da população para que ela sinta e perceba que há feedback do administrador. Portanto, o cidadão é o centro entorno do qual a cidade inteligente deve ser organizar.

O foco nas cidades sustentáveis pode ajudar municípios que não têm apresentado bons desempenhos no “Índice de Prosperidade das Cidades”, produzido pela agência Habitat da ONU. O indicador, que vai de 0 a 1 (quanto mais próximo de 1, melhor), sintetiza a relação entre cinco fatores considerados importantes para o desenvolvimento dos centros urbanos: infraestrutura, produtividade econômica, qualidade de vida, inclusão social e sustentabilidade ambiental. Viena, na Áustria, atingiu o maior índice (0,925), bem distante, por exemplo, de Bamako (0,491), em Mali, ou de São Paulo (0,757), única cidade do Brasil na lista da ONU.

Construções sustentáveis

Com 0,890, o quinto melhor índice do indicador, Estocolmo, na Suécia, é uma das cidades que integram o programa do governo, em parceria com a iniciativa privada. Seu nome: SymbioCity. O projeto incentiva o desenvolvimento sustentável do município a partir de uma ideia simples: fazer mais por menos.

Atualmente estão em construção cerca de 11 mil apartamentos próximo ao centro de Estocolmo, todos projetados para serem sustentáveis. Os novos imóveis vão ajudar a reduzir em 25% o consumo de água e em 40% o impacto ambiental na região. Para isso, vão receber placas solares, que produzem a energia que os moradores utilizarão. A água da chuva será captada e usada nos banheiros. 
O lixo será coletado por sistema de tubos e levado, depois de recolhido, diretamente para a reciclagem ou produção de combustível. Atualmente, 75% dos detritos da cidade já recebem esse tratamento.

Em Estocolmo, outros números ajudam a explicar a boa posição da cidade no indicador da ONU. Cerca 65% dos moradores utilizam o sistema de transporte ferroviário, considerado de baixa emissão de poluentes porque opera com energia renovável.

 No centro da cidade, todos os ônibus utilizam como combustível o etanol ou biogás. Segundo Jennifer Ekstrom, representante do projeto SymbioCity, a crise do petróleo nos anos 70, levou os suecos a discutirem alternativas de crescimento a partir de energia menos poluente.

— Entre 1996 e 2008, conseguimos reduzir em 18% a emissão de gases poluentes e, ao mesmo tempo, manter o crescimento do PIB que subiu 45% no período — afirma Jennifer.

Também pressionados pelo crescimento das suas cidades, países da América Latina e do Caribe, incluindo o México, deverão encarar o desafio de tornar seus centros urbanos mais sustentáveis num futuro próximo. Em seis décadas, a região ganhou oito megacidades, como São Paulo, Rio de Janeiro, Cidade do México e Lima. E os problemas, como trânsito, poluição, geração de detritos e altos índices de pobreza se acumulam.

A produção diária de lixo na região, por exemplo, chegou a 436 mil toneladas por dia, este ano, o que significa um aumento de 60% em relação a 1995. Naquele ano, a ONU-Habitat registrou 275 mil toneladas diárias. Por outro lado, 180 milhões de pessoas vivem em condições de pobreza (33%). Destes, 13% ainda são indigentes.

Para Tim Campbell, Phd em planejamento urbano pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e diretor do Urban Age Institute, as políticas de combate à pobreza e geração de emprego devem caminhar juntas com a adoção de medidas que possam mitigar os problemas das grandes cidades dos países em desenvolvimento:

— A meu ver, as cidades brasileiras, assim com as da Índia e da China, iniciaram esse longo processo para se tornarem cidades inteligentes com, por exemplo, a adoção de medidas para conservar seus recursos naturais, bem como a criação de novos sistemas de trânsito. Mas nenhuma cidade pode ser considerada inteligente sem pensar na criação de empregos e na redução da pobreza. Resolver essas questões permitirá que os moradores possam usufruir das melhores tecnologias em trânsito, habitação e infraestrutura.

Usuários passivos

Diretor do Observatório da Sociedade, Governo e Tecnologias da Informação, da Universidade de Externado, na Colombia, Marco Antonio Peres Useche participa de um projeto com mais sete universidades nos Estados Unidos, Ásia e Europa com objetivo de definir o que seria uma cidade inteligente, segundo a realidade de cada região. Para ele, a América Latina e Caribe não podem ser “usuários passivos de tecnologia”:

— Acho que a discussão sobre cidades inteligentes não deve ser como é na Europa e em outros países desenvolvidos. Só tecnologia não basta. Penso que ela é menos relevante porque as cidades são espaços de seres humanos, que envolvem questões e os conflitos humanos e suas dificuldades sociais. Na América Latina e Caribe temos questões importantes para serem resolvidas, como a pobreza e a preservação dos recursos naturais.

Apesar da crítica, Useche acredita que há iniciativas importantes no Rio de Janeiro, Medellín e Bogotá que utilizam tecnologia, mas buscam associá-las às demandas locais. Para ele, o Centro de Comando e Controle (COR) inaugurado no Rio, em 2010, tem uma proposta interessante porque reúne todos os órgãos do município para a tomada de decisão. Em Medellín, o governo trabalha desde 2002 num projeto de renovação urbanística, que inclui a preservação de áreas verdes e a recuperação de áreas pobres do município, e que é apontado como uma alternativa de fazer uma cidade inteligente.

Segundo o arquiteto Jorge Pérez Jaramillo, diretor do Instituto de Estudos Metropolitanos e Regionais da Faculdade de Arquitetura da Universidade Bolivariana, com sede Medellín, as mudanças na cidade começaram após uma profunda crise vivida nos anos 90: altos índices de criminalidade, estagnação econômica, desigualdade social entre outros problemas. 

O saldo foi a mobilização do governo e da sociedade que passaram a discutir medidas para retomar o desenvolvimento. Nesses dez anos, foram construídos, por exemplo, oito parques, novas escolas, 450 edifícios residenciais, novas vias, centros de educação infantil e áreas de convivência.

— Nossa crise gerou uma cidade renovada, com uma cidadania ativa, com esperança no futuro e com novas formas inteligentes de intervenção — explica Jaramillo.

Em Bogotá, o governo iniciou o projeto “Bogotá Humano”, que consiste em medidas para incentivar a indústria criativa e a participação. Serão inauguradas áreas tecnológicas, que consistem em ambientes prontos para a instalação das novas empresas. 

O projeto, estimado em US$ 650 milhões, prevê a criação de Wi-Fi público em parques, praças e corredores culturais. Dez pontos já estão em funcionamento. Cerca de 450 escolas vão ganhar conexão à internet em alta velocidade.

— A educação digital é um direito. Esse direito é uma oportunidade de melhorarmos a gestão da cidade e criarmos oportunidades para os moradores — diz Mauricio Trujillo, diretor do Conselho Distrital de Bogotá.

Arquivo INFOTRANSP