FOLHA DE SP:
Eles esperavam o próximo trem. David Silva e sua banda de música norteña desceram antes da hora, numa estação do East Harlem, fugindo de uma briga num vagão do metrô, com medo que os socos sobrassem para eles.
"Tem sempre um querendo bater no outro", conta o mexicano, há dois anos em Nova York, segurando um violoncelo. "E tem muito racismo."
Quando o próximo trem chegou, depois de um atraso de quase 20 minutos, ele e sua banda entraram tocando "La Bamba". Mas a canção não animou os que viajavam de metrô naquele sábado. Este, afinal, é o "outono da frustração" depois do "verão do inferno" para o metrô nova-iorquino, nas palavras de Scott Stringer, responsável pelas finanças -em crise- da maior metrópole americana.
Nas contas dele, atrasos no metrô respondem por um rombo de R$ 1,2 bilhão a cada ano na economia da cidade. Nas contas do metrô, consertar o problema vai custar o equivalente a R$ 2,5 bilhões.
Da mesma forma que em São Paulo, o metrô de Nova York é responsabilidade do Estado, e não do município. A briga sobre quem vai pagar a conta pôs o prefeito Bill de Blasio, que defende aumentar impostos para os milionários para bancar melhorias, em pé de guerra com o governador Andrew Cuomo, que vem contingenciando gastos.
Enquanto um empurra a conta para o outro, o humor dos nova-iorquinos azeda. A última medida para melhorar um serviço que muitos classificam como péssimo foi remover os bancos de alguns vagões dos trens em linhas movimentadas para dar mais espaço a passageiros, que se queixam da superlotação.
"Eles calcularam que assim cabe mais gente", diz Andrea Rodríguez, uma dominicana há 37 anos em Nova York, com um bebê no colo. "Não vejo por que não pode ser mais confortável assim."
A neta dela, no entanto, poderá ter motivos para reclamar quando estiver de pé no metrô. Os 8,5 milhões de nova-iorquinos serão 9 milhões em menos de três décadas, e a demanda por esta que é a maior rede ferroviária urbana do planeta só aumenta.
Inaugurado há mais de um século, em 1904, o metrô de Nova York, com 380 km de trilhos, 36 linhas e 472 estações, funciona 24 horas. É a espinha dorsal do transporte numa cidade ocupada até o último metro quadrado e que, por isso, evita o uso do carro.
Em Manhattan, onde começou a ser construído, o metrô teve um papel fundamental no desenvolvimento urbano, já que os túneis foram cavados por toda a ilha mesmo antes que houvesse muita coisa na rota deles, dirigindo os padrões de ocupação.
Isso tem um impacto enorme até na valorização dos imóveis. Estar perto de uma linha boa, com menos atrasos e mais possibilidades de baldeação, faz toda a diferença no valor dos imóveis.
Talvez por isso a briga em torno do metrô, que registra um aumento de 52% no número de ocorrências policiais e 51% mais casos de assédio sexual nos últimos três anos, parece sempre mais acirrada.
Na semana passada, aliás, um passageiro foi esfaqueado no rosto, ficando com um rasgo da orelha até a boca e engrossando as estatísticas.
Esses casos que preocupam e irritam os usuários, no caso, estão longe do quadro de horror que dominava o metrô nova-iorquino entre as décadas de 1960 e 1990, quando ainda eram comum histórias de tiroteios em estações.
Mas moradores de uma das cidades mais caras do mundo também se queixam de não ver seus dólares pagos em impostos refletidos ali."Pagamos o suficiente para consertar tudo isso, mas alguma coisa acontece para ser sujo desse jeito", diz um artista espanhol, que não quis se identificar. "O problema é a sujeira, o lixo, o cheiro. Nem incomodam os ratos. O fato é que está horrível."
Ou "caindo aos pedaços", na opinião de um músico. Mas há quem veja charme e beleza no meio desse caos. "Eu adoro o trem, acho uma experiência linda", diz Ben Williams, contador da Pensilvânia há dois anos na cidade.
"Outro dia um velho triste sentou do meu lado. Disse que sobreviveu a um derrame e a um ataque do coração. Ele me mostrou, abrindo a mochila devagar, o que dizia ser seu segredo para viver aqui. Era uma camiseta do Super-Homem
"Outro dia um velho triste sentou do meu lado. Disse que sobreviveu a um derrame e a um ataque do coração. Ele me mostrou, abrindo a mochila devagar, o que dizia ser seu segredo para viver aqui. Era uma camiseta do Super-Homem