FOLHA SP
Dois tópicos dominam os debates sobre educação e mercado de trabalho: o aumento da robotização e o reconhecimento de que traços da personalidade são tão ou mais importantes do que a aprendizagem adquirida na educação formal tradicional.
Esses dois temas ocupam cada vez mais espaço em discussões de departamentos de recursos humanos, seminários acadêmicos e empresariais e reuniões de gestores de políticas educacionais, assim como na academia.
Há também um reconhecimento crescente de que os dois assuntos estão intimamente relacionados e de que uma compreensão melhor sobre ambos e sua interconexão serão cruciais para o futuro de nossos filhos.
Isso não significa que temos todas –ou, pelo menos, boas— as respostas sobre o que está por vir. Mesmo quem pesquisa o tema a fundo reconhece que possuímos, no máximo, chutes informados de tendências já detectáveis e pistas sobre o tanto mais que precisamos investigar.
O chute bem informado —alvo de consenso crescente— é que os robôs estão aí para ficar e roubar empregos, inclusive os mais qualificados.
"A preocupação não é que os humanos não vão ter mais trabalho, mas que perderão empregos bons e bem pagos", disse o economista Richard Freeman, de Harvard, em entrevista à minha amiga Ana Estela de Sousa Pinto, publicada no domingo (12).
O pesquisador esteve no Brasil para falar sobre o tema em palestras organizadas pela Academia Brasileira de Ciências e pelo Centro de Políticas Públicas do Insper.
Na conversa conosco, Freeman mencionou um dado que impressiona: uma conferência de inteligência artificial que recebia 23 estudos há cinco anos hoje recebe 1.000.
Uma pesquisa que acaba de ser divulgada pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) ajuda a dar dimensão à importância com que o tema vem sendo tratado e com os desafios para o futuro.
Segundo o estudo, 62% da população adulta nos países ricos aplica as habilidades adquiridas via educação formal —como domínio da linguagem e da matemática— no dia a dia de seus trabalhos, mas faz isso com menos proficiência do que a que os computadores já adquiriram ou estão em vias de atingir.
Apenas 13% dos trabalhadores dos países que formam a OCDE (o Brasil não faz parte do grupo) ainda supera os computadores nesses mesmos quesitos. Outros 25% estão à margem da análise porque nem chegam a empregar o conhecimento que deriva da educação formal em seus empregos.
A pesquisa foi feita com a ajuda de um grupo de cientistas da computação e levou a OCDE à seguinte conclusão: é factível prever que a demanda pela mão de obra da fatia majoritária de trabalhadores poderá cair em consequência da automação.
Mas a organização ressalta: ainda é difícil dizer quantos empregos exatamente estão sob risco ou quais ocupações são mais vulneráveis.
Pesquisadores da OCDE até tentaram, num trabalho anterior, estimar o percentual de empregos que poderiam ser substituídos por computadores. Chegaram à cifra, não muito assustadora, de 9%. Outros economistas —com pesquisas igualmente rigorosas— estimaram números mais alarmantes, como 47% e até 82%.
O problema, reconhece a própria OCDE, é que as premissas dos estudos variam muito. Falta ainda uma investigação que faça uma análise mais profunda cruzando as diferentes habilidades demandadas por cada ocupação.
Ou seja, já dá para concluir, com base nas pesquisas atuais, que computadores poderão roubar empregos de quem hoje, primordialmente, se dedica a fazer contas, preencher planilhas ou realizar diagnósticos (inclusive médicos).
Há evidências de que isso, aliás, já está acontecendo.
Agora, se uma ocupação requer habilidades numéricas, mas também a capacidade de se relacionar com os demais, os profissionais que a exercem podem estar a salvo (pelo menos por mais tempo que outros).
A OCDE, em sua pesquisa recente, ressalta um ponto inquietante do ponto de vista de política pública, com base nas informações já disponíveis: aumentar a educação formal da população talvez não garanta sua empregabilidade.
O aumento da escolaridade nos últimos anos em países desenvolvidos não tornou os trabalhadores menos suscetíveis à competição com as máquinas, pelo menos no campo das habilidades formais.
Isso não significa que governos devam abandonar os esforços para garantir que crianças e adolescentes tenham acesso à educação, claro, mas que devem aumentar as iniciativas para investigar se há outras habilidades com maior poder de garantir a empregabilidade no futuro.
É aí que a pesquisa sobre automação dialoga com as investigações da economia e da psicologia sobre a importância das chamadas habilidades socioemocionais, como persistência, empatia e capacidade de trabalhar em equipe.
Já há evidências contundentes de que essas características têm enorme peso no sucesso profissional e pessoal e indicações até de que elas podem ser mais decisivas, em alguns aspectos, do que o grau de proficiência em habilidades formais.
É provável que, com a automação, o foco na importância de fomentar algumas dessas características em nossas crianças aumente.
Precisamos de mais investigações sobre como fomentar o desenvolvimento dessas habilidades e até sobre quais delas são mais relevantes.
Mas as pistas já existentes indicam que ensinar nossas crianças a persistir diante de obstáculos e demonstrar empatia pelos outros será cada vez mais importante.
Entre tantas outras preocupações que dominam a atenção de pais e professores —como notas em avaliações formais—, essa relevância talvez não seja óbvia.
Outra questão que deveria entrar no radar de todos —mas está longe da realidade de muitas crianças, principalmente das mais pobres— é a importância da aprendizagem de linguagem computacional.
Freeman é categórico sobre o assunto:
"É muito importante que as crianças aprendam linguagem de computador. Não precisam virar programadores, mas entender o que as máquinas são capazes de fazer, para poder funcionar nesse novo mundo".
Preocupações com o avanço tecnológico no futuro se mostraram exageradas. Mas, pelas dúvidas, melhor tentarmos entender o que já está acontecendo.