11 outubro 2010

A 'internet das coisas' já está em construção, mas ainda há grandes desafios ao seu crescimento

Publicada em 11/10/2010

Carlos Alberto Teixeira e Eduardo Almeida

RIO - Sabe o que acontece quando pegamos objetos comuns do dia a dia e enfiamos neles microchips conectados à grande rede? O resultado é a chamada "internet das coisas".

Esses pequenos chips nos permitirão acompanhar os objetos, e alguns desses microcircuitos poderão mesmo sentir a presença de outros semelhantes nas redondezas, informando tal fato a outros chips ou mesmo a nós usuários.

Com isso, a velha internet, que inicialmente só interligava computadores mais ou menos parrudos, vai precisar arranjar mais e mais endereços para identificar um número cada vez maior de produtos como automóveis, roupas, eletrodomésticos, e até maquinetas miúdas, como celulares, smartphones, iPads e centenas de outros badulaques eletrônicos móveis conectados.

O primeiro exemplo de chips dessa natureza são as etiquetas RFID ( Radio-Frequency IDentification ), já bem comuns em produtos nas lojas de vários países. Suas aplicações são as mais diversas possíveis, incluindo pagamentos, transporte público, compartilhamento de automóveis, pedágio rodoviário, venda no varejo, controle de ativos, logística, identificação de animais, inventário, estoque, museus, saúde, esportes, implantes humanos... e a lista vai longe.

O cientista americano Mark Weiser, que trabalhou no centro de pesquisas da Xerox, em Palo Alto, na Califórnia, foi um dos que primeiro teorizou sobre uma internet das coisas. Falecido em 1999, Weiser é considerado o pai da Computação Ubíqua, ou Computação Invisível, nomes pomposos dados a esse ramo de estudos.

Weiser delineou alguns princípios que deveriam nortear essa evolução da grande rede de modo a abarcar o universo dos objetos. Ele acreditava que um computador nada mais era do que uma geringonça cuja função é ajudar-nos a fazer outras coisas. Disse também que o computador ideal deveria ser um servo quieto, de preferência invisível.

Ele previu uma interface de computador tão intuitiva que a máquina poderia servir de extensão para o nosso inconsciente. Com isso, a tecnologia nos levaria a um estado de calma. A tecnologia ideal, então, seria aquela que nos informaria, sem para isso exigir nosso foco ou nossa atenção.

Já na década de 80, Weiser previa que em cerca de 20 anos a computação estaria embutida nos mais simples eletrônicos e até em objetos comuns - etiquetas de roupas (para controlar as lavagens), canecas de café (para avisar ao garçom quando estiverem vazias), interruptores de luz (para economizar energia num aposento vazio) e lápis (para digitalizar tudo que escrevermos ou desenharmos). Assim, interligando esses trecos entre si, teríamos uma malha planetária razoavelmente inteligente.

Alexandre Gomes, mestre em ciência da computação pela Universidade de Brasília, em uma apresentação que elaborou sobre Computação Invisível ( slidesha.re/alegomes ), discorre sobre a formação de espaços inteligentes adaptativos, capazes de agir proativamente ou reativamente a partir da interpretação das informações fornecidas pelos objetos nas proximidades.

Gomes prevê que a conectividade se tornará algo tão comum que, nos espaços em nosso entorno, daremos menos atenção à tecnologia onipresente e nos focaremos nos benefícios que ela nos proporcionará. Será uma realidade na qual, em vez de nos preocuparmos com as coisas de que precisaremos, serão essas coisas que nos lembrarão do quê, como e quando teremos que usá-las ou interagir com elas.

Mas será esse um futuro estranho ou tenebroso? Nada disso, muito pelo contrário. Só que, com a overdose de informações que hoje nos esmaga, e com toda essa tecnologia se inserindo nos objetos à nossa volta, logo confirmaremos de forma bem concreta que o maior gargalo em computação não está no poder de cálculo do processador, nem na capacidade dos discos, tampouco na largura de banda para telecomunicação de dados, mas sim no limitadíssimo recurso que é a atenção humana.

E qual será o tamanho da internet das coisas?

- Estamos falando de cada objeto possuindo uma identidade única. Isso representa uma base de trilhões de objetos - pondera Cezar Taurion, gerente de novas tecnologias da IBM Brasil. - São objetos que participam ativamente dos processos sociais e de negócios e que compartilham informações entre si.

Taurion dá como exemplo um contêiner que pode sentir o ambiente onde está, sua temperatura e o grau de umidade, sendo capaz de emitir alertas sobre riscos no armazenamento do material guardado em seu interior.

- Estamos vivenciando a convergência do mundo digital com a infraestrutura física - atesta Taurion. - Até as ruas podem ser mais inteligentes. Em Cingapura, por exemplo, eles colocaram dispositivos nas avenidas para medir o fluxo do trânsito. Com isso tem-se acesso às informações em tempo real ao longo do dia. Pode-se assim fazer uma previsão de engarrafamento na via, procedendo-se a um desvio no fluxo de trânsito ou mesmo alternando semáforos.

Em um ambiente com objetos interligados, as possibilidades são vastas. Sistemas de segurança, por exemplo, ficarão muito mais inteligentes.

- Pode-se colocar uma câmera inteligente olhando o estacionamento de um mercado. Ela identifica que uma determinada pessoa está andando em círculo, de forma atípica. A câmera envia um alerta - imagina Taurion. - E quando a pessoa olha para a câmera, ela automaticamente aumenta a definição da imagem para tentar um reconhecimento facial.

Cezar Taurion explica que o mundo está cada vez mais instrumentado, e é preciso que esses instrumentos estejam interconectados para repassar as informações coletadas para outros nodos da rede.
- Pulseiras com etiqueta eletrônica são usadas por pacientes médicos, indicando horários e doses para administração de remédios - exemplifica. - Algo assim reduz consideravelmente a ocorrência de erros médicos.

Na verdade, a História já registrou outras tecnologias que se tornaram invisíveis. Ou quase. Quando surgiu o motor elétrico, por exemplo, as pessoas ficavam pasmas diante de tanto avanço. Porém, com o tempo, motores se tornaram coisas tão banais que simplesmente "desapareceram", ou melhor, foram sendo gradativamente engolidos por aparelhos e dispositivos mais complexos, em que passaram a ser apenas mais um entre tantos componentes.

Uma crescente internet das coisas poderá trazer como efeito positivo a gradativa padronização global das etiquetas eletrônicas empregadas. Outra consequência, já não tão boa, será o transbordamento de informações. Basta imaginar 50 a 100 trilhões de objetos codificados e microchipados. Quanta informação esse conjunto gerará? Como processar tantos dados?

Há também o medo, bastante justificável aliás, de que o excessivo controle e acompanhamento de objetos, veículos e mesmo de pessoas possa oferecer um sério risco à privacidade do cidadão e ao seu direito de ir e vir.

Mas existe um probleminha ainda maior: como endereçar tanto treco? Essa questão surge num momento muito delicado da internet convencional, em que estão acabando os endereços de rede para designar tantos pequenos computadores e dispositivos móveis.

O que está em falta são os chamados endereços IP (Internet Protocol). Como se sabe, cada computador tem um endereço alfanumérico, que corresponde a um endereço numérico. Por exemplo, o site http://www.google.com corresponde ao IP numérico 74.125.43.99, ou seja, quatro sequências de números.
Esses indicadores numéricos obedecem a um esquema de endereçamento chamado IPv4, com 32 bits. Sem entrar na chatice matemática disso, basta termos em mente que esse babado do IPv4 é capaz de aguentar até 4 bilhões de endereços únicos, o que equivale a 4 x 10. Tal limite, que parecia mais do que suficiente no passado, quando os primeiros malucões inventaram a internet, provou ser pequeno demais ante a descomunal expansão que representará a internet das coisas.
A solução foi definir um espaço matemático muito mais amplo, chamado IPv6 ( bit.ly/ipv6wiki ), que se baseia numa estrutura de 128 bits, permitindo a criação de 3,4 x 10 endereços numéricos, um número estupidamente grande. Ele representa um espaço de endereçamento inimaginavelmente maior e que, provavelmente, será o suficiente por décadas, séculos ou milênios a fio, segundo as previsões futuristas hoje vigentes.

Vamos comparar os dois? Se o endereçamento do IPv4 fosse do tamanho de uma bola de tênis, o espaço matemático do IPv6 seria uma bola astronomicamente gigantesca, com diâmetro quase 600 mil vezes maior do que a distância entre a Terra e a galáxia de Andrômeda, que é de 2,53 milhões de anos-luz.
O chato é que os endereços do IPv4 estão acabando, mas o ritmo de implantação do IPv6 vai em passo de tartaruga. Existe o risco de que até meados de 2011 se torne impossível a abertura de novos sites porque faltarão endereços. A lentidão na adoção do IPv6 tem dois motivos: desalinhamento de incentivos e falta de informação.

M.E.Kabay, do Network World, aponta que, diante de tanta morosidade e incerteza, a nova estimativa é de que 80% da implementação do IPv6 na região da América do Norte se dará entre 2016 e 2030. Ou seja, se, antes disso, estourarem os endereços IPv4, quem quiser abrir site novo terá que entrar na fila e aguardar sua vez até que o novo protocolo entre em vigor.

Em um artigo ( bit.ly/ipv6lerdo ) escrito por Hillary Elmore, L. Jean Camp e Brandon Stephens, da Universidade de Indiana, nos EUA, é feita uma comparação entre os custos americanos atuais para se manter a estrutura IPv4 e o investimento necessário para fazer a transição para IPv6. A conclusão é que a transição pode não ser a melhor opção no momento, nem para os EUA nem para outros países desenvolvidos - que dirá para nós, pobrezinhos brasileiros.

Os autores divisam um possível futuro em que os EUA poderiam intencionalmente ser um dos últimos países a adotar o novo endereçamento em função de seus atrasos na implementação, estabelecendo um cenário que atrasaria bastante o crescimento da internet das coisas.

Por outro lado, a adoção forçada do IPv6 ensejaria uma longa e dura batalha regulatória internacional. Saiba mais sobre as implicações dessa encrenca em bit.ly/andalogo . Para ver dez interessantes vídeos no YouTube ilustrando a internet das coisas, clique neste link .

http://oglobo.globo.com/tecnologia/mat/2010/10/10/a-internet-das-coisas-ja-esta-em-construcao-mas-ainda-ha-grandes-desafios-ao-seu-crescimento-922757227.asp